Epílogo

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Sete anos depois

A garota encostou o carro na beira da rua. Ao descer, olhando tudo em volta, percebeu que pouca coisa havia mudado na praça central da cidade, desde a última vez que estivera ali. Ela também não havia mudado tanto desde os seus dezesseis anos: seus cabelos ainda cacheados, as sardas em seu rosto permaneciam ali também. Só então, Caroline se deu conta de quanto tempo havia se passado. Sete anos se passaram, e agora ela estava ali de novo. Ela avistou, vindo em sua direção, um rapaz de cabelos muito escuros e desajeitados, olhos azuis e um quase sorriso no rosto.
- Nicolas! - exclamou Caroline, correndo em sua direção e o abraçando. - Quanto tempo.
- Oi Caroline. Como foi a viagem? - perguntou Nicolas.
- Ótima, é bom estar de volta. - respondeu Caroline. Os dois caminharam para um banco em baixo de uma árvore. Daquele lugar era possível ver mais a frente, uma quadra de futsal, onde algumas crianças se divertiam. Caroline soltou a respiração e procurou coragem para perguntar o que estivera em sua mente nos últimos sete anos. O motivo pelo qual ela estava ali.
- Então... - ela começou, procurando as palavras certas. - E ela? E Maria Luiza?
- Está no Rio Grande do Sul. - ele respondeu, parecendo pensar em outra coisa.
- Nicolas, eu passei sete anos longe dela. Preciso de mais informações que isso. - disse Caroline.
- Bom, sete anos de acontecimentos da uma longa história.
- Não importa. Temos bastante tempo agora. - disse a garota a Nicolas.
- Então está bem. Deixa eu pensar... Ah, sim. Depois que você foi embora, durante muito tempo ela se tornou muito fechada. Passava dias sem sair de casa, parecia estar mergulhada em uma depressão paralizante e melancólica.
"Era triste vê-la assim, mas não havia nada que eu poderia fazer. Então, um dia ela apareceu na porta da minha casa dizendo que queria viajar para bem longe. Estavámos em um dos invernos mais frios de que consigo me lembrar, e no meio do nosso último ano de escola. Eu perguntei como, porque éramos de menor e com o dinheiro que tínhamos não dava para ir muito longe. Foi então que eu conheci uns amigos novos da Maria Luiza. Uma garota chamada Eduarda e o irmão dela, Marcelo. Eles tinham um ano a mais que nós e estudavam na nossa turma. E uma semana depois, arrumamos nossas malas pela madrugada, ela deixou um bilhete para a mãe em casa, e eu me despedi da minha. Foi com Marcelo e Eduarda se revezando para dirigir, que naquela noite fria viajamos sem saber para onde. Foi legal, sabe. Ela havia voltado a sorrir. Mas sempre que ela olhava para aquela pulseira que tinha no pulso, o sorriso desaparecia. Acho que ela se dava conta de que você estava longe. Então, um dia, durante essa viagem ela quis ir até Florianópolis. Talvez na esperança de te encontrar em alguma esquina. Mas você estava em um internato, então ela desistiu da ideia. Quase três semanas depois, quando paramos para dormir em um hotel, em algum lugar no norte do Rio Grande do Sul, eu fui falar com ela. Cheguei em seu quarto e ela estava chorando. Ela realmente sentia a sua falta. Acho que ela queria viajar para tentar te encontrar, ou para tentar se encontrar. E chegou o dia que voltamos para casa, quase um mês e meio depois. Maria Luiza saiu de casa dali a algumas semanas. Ela começou a trabalhar em uma livraria, e minha mãe havia chamado ela para morar com a gente. Mas era como se ela nunca estivesse em casa. Às vezes eu ouvia ela chorando, mas resolvi deixá-la em paz. Eu a levei ao baile de formatura aquele ano, e estava fazendo um ano que você fora embora. Eu a pedi em namoro aquele dia, e ela me disse que iria pensar. Me apaixonei por Maria Luiza, e parecia tão errado, porque ela era toda errada, mas eu a amava. Eu queria concertar aquele erro que ela era, entende? Duas semanas depois ela me disse sim, e namoramos durante aquele verão. Mas ela nunca parecia minha namorada. Eu sabia que ela me amava na mesma intensidade, mas de forma diferente. Você sabe, Maria Luiza sempre preferiu as meninas. E vendo que ela não era feliz, a deixei livre. Ela entrou na faculdade. Física. E depois disso eu raramente a via por casa. E algum tempo depois ela se mudou para dividir apartamento com uma colega da faculdade. Eu também passei pra mesma universidade, só que engenharia, e passamos a nos ver só nos fins de semana, quando não tínhamos nada para fazer. Aquilo ocupou a mente dela por um tempo, Maria Luiza chorava menos. E todo verão nós viajavámos juntos, e ela voltava a ser a Maria Luiza tão alegre que ela costumava ser na época da escola. Se você quer saber, ela nunca tirou aquela pulseira. Ela sempre esteve te esperando. E foi assim que passou a maior parte desse tempo todo. A Maria Luiza nunca voltou a se dar bem com os familiares, mas acho que eu fiz bem o meu papel de estar sempre ao lado dela. E nesse último ano ela voltou a sentir a sua falta, como sentiu logo que você se foi. Mas acho que ela teve uma boa vida enquanto você esteve fora, apesar de tudo."
Nicolas terminou e deu um suspiro. Lágrimas escorriam silenciosas dos olhos de Caroline. A garota as limpou com as costas das mãos e olhou para o céu, que começava a ficar escuro.
- E a sua vida, como foi? - perguntou Nicolas.
- Solitária, meio louca. Aquele internato era um inferno, eu odiava aquele lugar. Eu sentia mais a falta dela a cada dia que passava. Quando eu terminei a escola, pensei em voltar correndo pra cá. Mas eu dependia dos meus pais, e não adiantava voltar se eu não teria como viver com ela aqui. Então eu resolvi ajeitar a minha vida primeiro. Eu não fiz nada que desse uma boa história para contar durante esses sete anos. Mas tudo era sobre ela. As músicas, os livros, os filmes. Eu me formei esse ano, então resolvi voltar.
- No que você se formou?
- Psicologia, e eu sou musicista. - respondeu Caroline.
- E você ainda a ama, depois de todo esse tempo?
- Eu sempre vou amar. - disse Caroline. Os dois ficaram em silêncio por algum tempo. Nunca haviam se falado tanto, nem na época da escola.
- Porque nunca ligou para ela, ou algo assim? - perguntou Nicolas.
- O internato era quase uma prisão, era tudo proibido. E depois que eu sai, não tinha mais o número dela, e não sabia como encontrá-la. Só agora, sete anos depois que voltei pra essa cidade, dei a sorte de sua mãe ainda morar aqui, e você estar de férias no mesmo lugar. - respondeu Caroline. Eles voltaram a ficar em silêncio. Nicolas só agora se dava conta de quanto tempo havia se passado desde que Caroline se fora. Tudo se passava como um filme em sua cabeça. Todas as lágrimas que enxugara de Caroline nesse tempo, todas as vezes que dissera eu te amo a ela, todas as vezes que pensou como seria se Caroline voltasse, se Maria Luiza também voltaria a ser feliz.
- Onde exatamente ela está? - Caroline perguntou a Nicolas.
- Torres, no Rio Grande do Sul. É tudo o que eu sei, ela não diz muito sobre quando viaja. Nunca sei o que ela faz quando viaja sozinha. - Nicolas respondeu, olhando o sol que estava se pondo. Caroline se levantou devagar, sentiu o vento gelado em seu rosto. Sabia exatamente onde deveria ir - ou quase. Esperara tanto por aquele momento, e agora ele estava acontecendo. Estava muito perto de reencontrar Maria Luiza, e ela quase não conseguia acreditar. Era como um sonho bom.
- Então eu sei onde devo ir. - disse Caroline. - Obrigada Nicolas, por tudo. E por ter cuidado dela enquanto eu estive longe.
- Foi por ela. Tenha uma boa viagem. - respondeu Nicolas, e deu um abraço na garota. Caroline deu um sorriso e voltou para o carro. Agora, ela estava indo de encontro ao que realmente a fazia feliz.




Maria Luiza

A praia de Torres nunca me parecera tão fria, e tão solitária. Passei as mãos em meus braços, e senti a pulseira que estivera ali nos últimos sete anos. Fazia algum tempo que eu não pensava em tudo aquilo, e de repente tudo voltou. Sete anos haviam se passado desde a última vez em que eu vira seus olhos verdes, e as sardas em seu rosto. Fazia tanto tempo que parecia serem acontecimentos de outras vidas. Várias vezes eu me perguntava durante esses anos se ela ainda pensava em mim. Pensava em me ligar, ou mandar algum recado por alguém. Só para me dizer que estava bem, que sentia minha falta, ou que pensava em mim às vezes, quando não tinha nada o que fazer, sei lá. Ultimamente tenho sentido a falta dela na mesma intensidade que senti quando ela se foi. Aquela ferida aberta nunca se fechou, só esteve ali, quieta, esperando a hora de voltar a doer. Muitas vezes me perguntei quando ela iria voltar, mas de uns tempos para cá tenho perdido o pouco da esperança que me restava. Logo que ela se foi eu me senti perdida, quase como se eu não soubesse quem era. Estive guardando durante esses sete anos o meu amor para ela. Mas estava quase me convencendo de que ela não iria mais voltar. Talvez estivesse com outra pessoa, feliz, e nem lembrasse que eu ainda estava esperando por ela.
O mar estava cinza escuro, e me fez lembrar de quando estive em uma praia com Caroline. Eu lembrava daquela cena exatamente como havia acontecido - com cada detalhe. Ouvi meu celular tocar, e pensei em não atender. Era Nicolas. Enxuguei as lágrimas que ousaram escorrer de meus olhos, e atendi.
- Oi Nicolas. Tudo bem? - eu disse, e minha voz soou triste.
- Estava chorando? - perguntou ele.
- Não, estou bem.
- Caroline está procurando por você, disse para ela que fosse à Torres. - falou Nicolas, sem a menor cerimônia. Minhas entranhas pareceram se contorcer. Minha boca ficou seca, e as palavras pareciam fugir.
- Como... Como assim... A Caroline? - eu perguntei.
- Ela voltou.
Algo dentro de mim sempre soube que ela voltaria. Estivera esperando por aquele momento durante sete anos - e ele havia chegado. As lágrimas escorreram de meus olhos de novo, mas dessa vez era porque eu não conseguia conter a felicidade.
- Enfim, era isso. Eu ligo depois para saber como você está. - Nicolas disse. - Fique bem, Malu. Eu te amo.
- Eu também te amo. - respondi.
Eu olhei de novo, sorrindo, para a linha do horizonte ao fundo. Ela havia voltado, e estava me procurando. Eu senti a vida voltar para dentro de mim, algo bom que não esteve ali desde que ela se foi. Dessa vez, seria para sempre.

Algo Sobre Ela, e EuOnde histórias criam vida. Descubra agora