VIII. Transtornos

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Os raios de sol entraram de repente. Seus olhos arderam quando a garota tentou abri-los. Nicolas abrira a janela, e o sol de verão iluminava todo o quarto. Maria Luiza notou que ele não estava com as mesmas roupas, e ela não fazia ideia de que horas eram. Seus olhos pareciam se recusar a abrir, ela procurou o óculos na mesinha ao lado da cama e o pôs. O quarto todo entrou em foco e ela percebeu que Nicolas estava sério.
- Você ainda está aqui? - ela perguntou.
- Eu fui embora pela manhã, voltei para ver como você estava. - ele respondeu, a seriedade se desfazendo aos poucos de seu rosto.
Maria Luiza procurou pelo celular na cama, sua cabeça estava doendo, ela não conseguia estabilizar os pensamentos. Então de repente, tudo voltou com um baque, como se ela tivesse caído de volta a realidade com um estrondo. O baile, Caroline, e aquilo que acontecera depois. Eram 14hrs21. Ela suspirou alto, tentando encontrar palavras, escondendo o rosto entre os braços.
- Você está bravo comigo ou algo assim, não está? - Disse Maria Luiza, levantando o rosto e procurando não olhar nos olhos de Nicolas.
- Não Malu, não estou. Só acho que não foi sincero da sua parte, ou espontâneo, sei lá... - respondeu Nicolas, deixando a frase morrer.
- Você pode ter certeza, eu não faria nada que eu não quisesse. Só espero que não mude nada entre nós, eu só tenho você e, mais ninguém. - falou Maria Luiza.
- Nunca vai mudar. - Nicolas abraçou a amiga, e olhando profundamente nos olhos da garota, deu um enorme sorriso. Era de novo o melhor amigo de Maria Luiza, sem que nada tivesse mudado. E naquele momento ela teve a certeza de que ele sempre estaria ali, e que nada poderia separar aquela amizade.

O tempo no relógio parecia correr mais que o normal. A cada segundo que passava, Caroline estava mais perto de deixar Maria Luiza. Nenhuma das duas estava preparada para perder, mas era uma guerra que não poderiam vencer. Haviam lutado demais, mas há coisas que chegam de surpresa e então, a vida nos tira quem mais amamos. E ela não quer saber como vamos ficar depois. A despedida é dolorosa, e dói mais ainda quando você é obrigado a ter uma. Maria Luiza precisava se despedir de Caroline em três dias, mas havia uma palavra que seus lábios não a permitiam pronunciar: adeus. O futuro incerto de Maria Luiza e Caroline começaria a ser escrito no mesmo instante em que o "adeus" fosse dito. Maria Luiza ainda tinha muito para dizer, mas as palavras pareciam não se encaixar, então ela se manteve em silêncio durante muito tempo do dia pós baile. Eram tantas coisas que ela queria pensar, mas ao mesmo tempo, que ela queria esquecer. Sentiria falta de Caroline, ela deixaria uma grande lacuna no lugar em que ocupava no coração de Maria Luiza. Mas, não se pode controlar tudo, as coisas são exatamente como tem que ser. E parece injusto, mas às vezes é necessário. Ela provavelmente nunca mais veria os olhos verdes de Caroline, as sardas de seu rosto, os cachos de seu cabelo, ou o seu sorriso. Mas algo dentro de Maria Luiza acreditava que aquele não era o fim - ao menos por enquanto. A história delas ainda não havia acabado. Aquele sentimento deveria ser o que restava de sua esperança - a esperança de que Caroline iria voltar.
Maria Luiza escreveu naquela noite. Era necessário uma despedida, não havia mais jeito. A cada segundo, Caroline ficava mais distante dela - e isso era algo inevitável. Ela precisava acreditar que daria certo, que Caroline voltaria, e que todo o sofrimento valeria a pena. Ela precisava acreditar que ainda não era o fim, e que a história não acabava depois do adeus. Sempre haveria um novo capítulo. Precisava haver. E ela precisava encontrar Caroline naquele aeroporto em alguns dias.
- Você precisa ter uma vida depois dela. Eu sei o que você sente. Sei que é difícil amar alguém que você não pode ter. - dizia Nicolas, sentado na beira da cama de Maria Luiza. Ele passara a frequentar mais o quarto da garota, agora que a mãe de Maria Luiza já não se importava mais tanto com a amizade dos dois. Maria Luiza não respondeu, apenas o fitou, sentada na cadeira da escrivaninha de seu quarto. Ela se perguntou por um momento de quem Nicolas poderia estar falando. Quem ele amava tanto, mas não podia ter? A resposta parecia óbvia, mas ela se recusava a acreditar. Vendo que Nicolas também a olhava diretamente nos olhos, Maria Luiza desviou o olhar e procurou um assunto qualquer.
- Amanhã é domingo, o que vamos fazer? - ela perguntou.
- Você é péssima em fugir de assuntos, Maria Luiza. - disse Nicolas, gentilmente.
- Eu não estou fugindo de nada! - exclamou a garota, o tom nervoso em sua voz a entregando.
- Está sim. Ultimamente você está sempre fugindo de tudo, Malu. Você não precisa. - disse Nicolas, sua voz soando quase como um sussuro. Quando Maria Luiza olhou nos olhos do amigo, soube exatamente de quem ele falava quando dizia saber o que ela sentia em, amar alguém que você não pode ter. Não havia como fugir, e ela não queria magoar Nicolas. Ainda amava muito Caroline, e isso não mudaria tão cedo. Ficar com Nicolas sozinha e em silêncio nunca fora tão constrangedor. Na verdade, a maior parte do tempo que haviam passado juntos em todos aqueles anos de amizade fora em silêncio, em algum lugar qualquer. Mas as coisas estavam mudando de pressa demais, e Maria Luiza sentia seus sentimentos como se fossem uma montanha-russa. Ela soltou a respiração que estava prendendo - quando ficava nervosa, Maria Luiza parecia esquecer de como respirar. A garota começou a mexer no celular e pôs alguma música, para que aquele silêncio não se fizesse presente. Nicolas não insistiu na conversa, voltou-se para o livro que estivera lendo. E os dois se mantiveram em silêncio por algum tempo. Até que Nicolas puxou Maria Luiza pela mão e a sentou ao seu lado.
- Eu sei que não vai mudar. Mas se mudar, e não importa quando, eu ainda estarei aqui. - ele disse, calmamente.
- Nicolas, eu te amo, e não me arrependo de ontem, mas tudo o que sinto por você é como meu melhor amigo. Desculpa, e eu não quero que você me deixe... - ela interrompeu a frase. Sua garganta deu um nó, e seus olhos marejaram de lágrimas. Era triste imaginar que depois de Caroline, Nicolas também a deixasse.
- Eu nunca vou te deixar, Malu. - sussurrou Nicolas no ouvido da garota, e então a abraçou.

O domingo amanheceu chuvoso, porém quente e abafado. Maria Luiza se revirou na cama quase o dia todo. Não queria a companhia de ninguém, ela precisava ouvir o silêncio, em sua mente já havia barulho e transtorno demais. A ideia de passar tanto tempo sem Caroline nunca havia sido tão real para Maria Luiza. Nunca mais ouviria a voz de Caroline, sentiria seu cheiro ou poderia dizer que a amava. Houve tantos momentos em que poderia ter dito que a amava, mas não disse, e agora estava ficando tarde demais. Maria Luiza constantemente se perguntava se tudo o que haviam vivido fora real. E havia sido tão real quanto a dor de perder Caroline que se acumulava em seu peito. Cada momento que havia passado ao lado de Caroline havia sido especial. Maria Luiza queria pensar que seria melhor para Caroline, que ela teria uma vida melhor, conheceria novas pessoas que também a fariam feliz, mas perdê-la lhe parecia injusto demais.
E foi assim que Maria Luiza passou aquele dia, pensando em Caroline, e se sentindo inútil por não poder fazer nada para ficar ao lado de quem mais amava. A noite veio se arrastando e o céu escureceu devagar. Maria Luiza estava na sala de estar de sua casa, e nunca desejara tanto que sua família a deixasse em paz. Eram perguntas demais que ela estava ficando sem paciência para responder. Acusações, brigas, era tudo o que acontecia quando Maria Luiza se juntava com a família. A garota voltou para seu quarto para evitar mais brigas. As lágrimas que ela vinha segurando a muito tempo finalmente cairam. Caroline estava indo embora, a sua situação em casa estava um inferno, e ela não sabia lidar. E foi daquele jeito que ela adormeceu: os olhos cheios de lágrimas, a mente cheia de problemas e o coração cheio de dor.

Algo Sobre Ela, e EuOnde histórias criam vida. Descubra agora