III. A Chuva

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Pra falar a verdade eu tinha muito pra conversar com a Caroline, mas eu me calei porque não aguentaria ouvir as respostas dela.
- Sobre o quê? - Perguntei olhando para meu pulso, esperando ela me soltar.
- Malu, eu quero ter tua amizade de novo. Eu sei que se passou muito tempo, mas eu sinto falta de te ter por perto. Quando nós terminamos não foi apenas minha namorada que foi embora, a minha melhor amiga também foi. - O que mais doía nas palavras dela, era que eu seria sempre a amiga, nunca o que eu realmente queria ser. Todos estavam olhando para nós, mesmo que nós duas estivéssemos quase sussurrando. Eu lancei um olhar para que ela me seguisse para o lado de fora da sala, e foi o que ela fez. Andamos em silêncio até a biblioteca, e uma tempestade havia começado. Eu me sentei no chão da biblioteca em um lugar onde acima da minha cabeça dizia ''Cantinho da Leitura'' em letras coloridas. Meus cabelos estavam muito molhados, e minhas roupas também. Caroline se sentou ao meu lado. Ali estava eu de novo, matando aula com a Caroline seis meses depois. Só que dessa vez eu era apenas uma amiga.
- Então... - Ela começou, parecia nervosa, e evitava a todo custo olhar pra mim - o que tu me diz?
- Caroline eu não sei o que te dizer, a gente viveu muita coisa pra eu conseguir ser uma simples amiga. Eu gosto muito de você, eu acho que não consigo. - Agora eu a encarava, seus olhos estavam fixos nos meus. Os olhos da Caroline eram como janelas para sua alma. Eram tão claros, tão lindos, que eu me sentia quase hipnotizada por eles. Eu me virei de frente para ela, que também fez o mesmo.
- Maria Luiza, seria mentira se eu dissesse que não sinto algo por você. Mas você sabe que eu não posso. Eu queria muito mas eu não posso. Talvez daqui alguns anos quando eu estiver com a minha vida resolvida, ai a gente continua. - Ela segurava minha mão enquanto dizia, e evitava olhar em meus olhos.
- Se tu realmente quisesse, teria dado certo. E eu não tenho toda essa paciência. - Ela me tirava do sério tão rápido, mas me tinha facilmente. Era quase impossível de lidar.
-Maria luiza, você queria que eu fizesse o quê? Que eu deixasse minha mãe e meu pai e fosse pra onde? Pra rua? Porquê em casa eles não me deixariam ficar. Você não entende! - Algumas lágrimas haviam se formado em seus olhos. Sei que pareço uma pessoa horrível por fazê-la chorar, mas às vezes era necessário, eu não entendia o porquê que ela não lutou por nós, como eu estava disposta à fazer.
- Talvez eu não entenda mesmo.
- Eu nem deveria ter te dito nada, fui uma idiota... - Ela enxugava uma tímida lágrima que ousou escorrer de seus olhos. Ela iria se levantar para ir embora, então eu a segurei ali.
-Não... - A vontade de tê-la por perto era mil vezes maior que meu orgulho. - Ok, vamos ser amigas. Eu não quero te perder de novo, desculpa.
E foi então que ela me abraçou, e eu soube que aquele era o lugar de onde eu nunca deveria ter saído: os braços dela. Quando iria se afastar, Caroline deu um sorriso imenso. Não importava se a tempestade lá fora estivesse derrubando tudo, ou se a tempestade dentro de mim fosse tão grande que transbordasse, o sorriso dela ainda tinha o poder de iluminar o dia. Ela tirou uma mecha de cabelo que caiu em meu rosto, eu ainda estava segurando ela pela cintura, e seus braços ainda estavam em volta do meu pescoço. Eu senti o rosto dela ficando mais perto do meu.
Eu a amo, e isso é um fato. Quando você ama alguém de verdade, não importa quanto tempo passe, a quantos quilômetros de distância você esteja de quem ama, ou quantas vezes digam que você não pode ficar com essa pessoa, você ainda fará tudo por ela. Eu largaria tudo, só pra segurar a mão da Caroline de novo. Minha boca estava quase tocando a dela. Eu podia ouvir a sua respiração, podia ver os olhos dela que pareciam querer àquilo tanto quanto eu - se é que isso era possível. Mas se tratando de mim, quase nada da certo. No mesmo momento em que o tão esperado beijo na Caroline finalmente estava para acontecer, Nicolas chegou abrindo a porta com força. E a Caroline praticamente se jogou na parede do outro lado.
- Oi, o professor mandou chamar vocês duas - Nicolas era o único amigo de verdade que eu tinha. Ela sabia que tinha atrapalhado alguma coisa. - Eu acho que atrapalhei alguma coisa, não é mesmo?
- Não, a gente só veio pegar livros. - Eu disse, me levantando.
- Claro, e eu sou o Batman.
- Depois a gente conversa Malu. - A Caroline me deu um beijo no rosto, pegou um livro qualquer que estava na mesa mais próxima e saiu. A tempestade ainda estava muito forte. Eu saí da biblioteca e Nicolas fechou a porta.
- Valeu hein, cuzão - empurrei ele, mais como brincadeira do que por estar brava de verdade.
- Cara, se eu soubesse que você estaria quase se pegando com a Caroline eu teria esperado um pouquinho mais. - Ele sorria. Nicolas era o tipo de amigo para todas as horas e momentos. Se eu ligasse para ele às duas horas da madrugada chorando por ter tido alguma crise de choro - esse era outro efeito-pós-término-com-a-Caroline - ele apareceria na minha janela com meu doce favorito, e ficaria ali me dizendo que tudo ficaria bem, até eu dormir. Depois, é claro, ele iria embora antes que alguém da minha casa visse ele.
- Quantas vezes já te disse pra não me chamar de ''cara''? - Eu estava tão feliz, que nem a tempestade derrubando tudo me importava agora.
- Malu, você sabe que é o cara da minha vida né?

Eu cheguei em casa de bom humor, o que era quase um milagre. Almocei e até ajudei a minha mãe a arrumar a cozinha. Eu estava literalmente rindo sozinha. É incrível o quanto alguém pôde mudar tanto a minha vida, de um segundo para outro. Eu olhava meu celular de cinco em cinco minutos esperando alguma mensagem da Caroline.
Eram 15:32 da tarde e ela ainda não havia me dito nem oi. Eu estava na sala jogando xadrez com o Nicolas - até porque esse era o único lugar que ele era autorizado a ficar na minha casa. Essa foi uma regra imposta pela minha mãe e meu irmão, por acharem que ainda restava alguma coisa da minha heterossexualidade. Eles estavam errados.
- Tu achava que ela ainda gosta de mim? - Essa era uma dúvida cruel que eu tinha desde sempre.
- Claro Malu. Se não gostasse não teria acontecido o que quase aconteceu. - Nicolas disse. Ouvimos alguém batendo palmas no portão. Ele olhou para fora, e então disse:
- Tu nem vai acreditar quem apareceu por aqui com essa chuva.

Algo Sobre Ela, e EuOnde histórias criam vida. Descubra agora