VI. O Fim?

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Início da narração em terceira pessoa

Se tratando de Maria Luiza, as coisas pareciam quase nunca darem certo, e com Caroline não havia sido diferente. Uma semana se passara desde o beijo na praia em um dia chuvoso, e nada tinha mudado entre elas. Maria Luiza tentava com todas as forças de seu ser não chorar todas às vezes que pensava em Caroline. Ela se tornara um assunto proibido.
Parecia que todos os seus esforços haviam sido em vão. Era inevitável, inadiável, era certo e concreto, Caroline era algo que ela jamais poderia ter. Um grande vazio crescia dentro dela, enquanto os dias passavam lentamente. As tardes agora com um forte sol de verão, Nicolas lendo algum livro ao seu lado, os dois deitados sobre a grama do jardim da casa de Maria Luiza. Tudo o que ela havia feito ou sentido por Caroline fora em vão. Tudo tinha se tornado parte de uma realidade tão distante que ela acreditava que poderia ter sido acontecimentos de outras vidas.
- Você está pensando nela não é? - Perguntou Nicolas, fechando o livro e colocando-o de lado.
- Não - mentiu Maria Luiza - Estava pensando no baile de escola, falta uma semana.
- Eu sei quando você mente. Gostaria muito de poder fazer alguma coisa por vocês duas. - disse Nicolas quase como um sussuro.
- Ninguém pode, nem mesmo eu. Eu a amo muito, mas infelizmente não posso amar por nós duas. - disse a garota, limpando uma tímida lágrima que ousou escorrer de seus olhos.
Nicolas se levantou tão rápido que a cabeça de Maria Luiza que esteve pousada em seu ombro quase foi levada junto. Ela olhou para o amigo e desejou que seus olhos não encontrassem os dela daquele jeito, marejados de lágrimas. Ultimamente ela chorava quase todas as vezes que os dois estavam juntos, e ela sentia que isso estava começando a incomodá-lo. Percebeu isso quando viu que sua paciência quando o assunto era Caroline se esgotava demasiado rápido. Ela estava se levantando meio desajeitada, limpando os tufos de grama que haviam em suas roupas quando Nicolas disse:
- Então, como todas as lésbicas que você poderia convidar para o baile de escola estão com outras mais arrumadas e menos choronas que você, e sua Amada Inominável não sabe que merda está fazendo da vida, e eu, não vou arrumar ninguém porque eu ando com você e isso me trás uma reputação ruim - ele estava com um largo sorriso no rosto, puxando a garota pela mão para dentro da casa enquanto falava - Maria Luiza, você vai à essa frescura de baile comigo. E vai se arrumar que precisamos comprar roupas, se não você vai acabar indo de pijama.
Ele a empurrou para dentro do quarto e bateu a porta ao sair, deixando Maria Luiza com uma imensa vontade de rir, coisa que não acontecia a muito tempo.
Ela tirou suas roupas que estavam começando a ficar sujas por causa de onde estivera sentada, e procurou por alguma coisa descente em seu armário. Fosse a falta de interesse em se arrumar, ou fosse os efeitos-pós-término-com-a-Caroline, a verdade é que a garota não tinha nada muito especial para se arrumar. Então ela vestiu um short bonito, que na verdade nunca havia usado, e uma blusa de mangas compridas xadrez. A estranha combinação de short e blusa da garota na verdade não havia ficado tão ruim. Ela prendeu os cabelos, que agora estavam compridos como jamais estiveram. Pôs o óculos de grau que a dias não usava, porque não julgava necessário enxergar o mundo direito. O quarto entrou em foco e ela se virou para um espelho atrás da porta. A sua imagem ali, pálida, magra demais para a idade, seus olhos tão escuros quanto os de seus demais familiares, que sempre tiveram olhos tão claros - como os de Caroline. Maria Luiza foi tirada de seus pensamentos quando ouviu batidas ritmadas na porta.
- Entre - ela disse, e sua voz soou fraca.
- Malu, você está bonita, deveria se vestir mais assim. - Nicolas falou, se sentando na beira da cama da amiga. Ele olhou tudo em volta. Poucas vezes estivera ali, havia um mural acima da cabeceira da cama com várias frases e fotos. Havia uma que o garoto gostava particularmente. Eles estavam um ao lado do outro em um campo de futebol, sorrindo. A garota não havia crescido tanto desde então, o garoto que na foto era quase mais baixo que ela, agora tinha vários centímetros a mais. Desde aquele dia na foto havia se passado tanto tempo, havia acontecido tantas coisas que naquela época, ele não achava que seria possível. Passara-se cinco anos, e Maria Luiza ainda era a melhor amiga que Nicolas já tivera.
- Vamos? - disse Maria Luiza, com a voz um pouco mais animada.
- Claro - respondeu Nicolas.
Eles seguiram para o centro da cidade, e no caminho o ânimo de Maria Luiza cresceu consideravelmente. O grande vazio deixado por Caroline foi se dissolvendo aos poucos, e ela queria esquecer, nem que fosse apenas por algumas horas, a tristeza paralisante que Caroline se tornara para ela.
- Você não está esperando que eu vá de vestido, não é? Porque... Nicolas eu acho que eu não sei o que eu estou fazendo aqui. - Sussurava Maria Luiza, parando de repente na escadaria do shopping. Nicolas riu alto, e todos que passavam olharam para os dois. A garota corou e tentou evitar os olhares das pessoas.
- E como você quer ir Malu? - perguntou Nicolas, que ainda não havia conseguido parar de rir da amiga.
- Nicolas, eu já comecei a me arrepender. - respondeu Maria Luiza, enquanto Nicolas a puxava em direção as portas do shopping. Aquela estava sendo uma tarde tão boa, que era quase difícil acreditar que realmente estivesse acontecendo. Depois de passarem em uma loja e comprarem algumas coisas, eles estavam caminhando em direção a porta de saída do shopping, quando de repente, Maria Luiza parou de caminhar, seu riso cessou no mesmo instante em que seus olhos avistaram uma cena, que ela não queria acreditar. Caroline estava sentada num banco no meio do andar térreo do shopping, com uma outra pessoa que ela não reconheceu, aos beijos. O seu coração bateu forte, a pouca cor que havia no rosto de Maria Luiza desaparecera. Algumas garotas da mesma turma que eles que estavam ali perto em um grupinho pareceram notar a cena na mesma hora. Os olhares delas corriam de Maria Luiza e Nicolas - que havia segurado o braço da amiga achando que a falta de cor em seu rosto indicasse que ela poderia desmaiar ali mesmo - para Caroline e o desconhecido. As garotas começaram a rir.
- Vem Malu, vamos embora. - disse Nicolas enquanto a arrastava para fora dali.
Era como se aquilo estivesse acontecendo de novo. Suas entranhas pareciam se contorcer. Ela queria fugir dali, correr até se esquecer de quem era. Mas não se pode fugir de si mesmo. E toda a dor que ela havia esquecido por algumas horas, agora pareceu redobrada, e veio como uma avalanche. Engolindo-a, derrubando-a, puxando-a cada vez mais para baixo, a deixando sem ar.
Ela se soltou de Nicolas e desceu até a calçada. Seus pensamentos estavam fervilhando, seus sentimentos sendo, novamente, jogados para longe.
Qual era o sentido de ter dito tanto a Caroline? Qual era o sentido de tê-la amado tanto? Talvez o amor seja assim, pensou Maria Luiza, feito para doer, para ser sentido, de todas as formas. Chega um momento crucial que a dor é suportável, mas não por estar sendo forte, é porque você já não tem mais forças para sentir. Maria Luiza precisava aceitar que Caroline se tornara apenas uma lembrança. A lembrança doía demais dentro de seu peito.
- Vamos Malu... - disse Nicolas. Ele se virou e viu Caroline correndo na direção deles.
- Maria Luiza! Maria Luiza... Você... Não entende! Me deixa te explicar! - Caroline falava com um tom de desespero na voz. Ela segurava o pulso de Maria Luiza com força, como se assim fosse impedi-la de ir embora.
- Explicar o que, Caroline?! Você não deve explicação, e eu também não quero te ouvir! - Maria Luiza continuou antes que pudesse ser interrompida - Caroline eu preferia que você nunca tivesse voltado pra minha vida, mas agora que está aqui eu tenho algumas coisas para te dizer. Eu quero que você sofra desse jeito, como eu já estou cansada de sofrer. E quero que você se sinta assim, desse jeito horrível, como eu estou me sentindo. E eu sei que vai doer Caroline, eu sei que vai. E quero que você chore, e implore, pra eu poder dizer que não! - a última palavra saiu dos lábios de Maria Luiza quase como um palavrão. Ela olhou nos olhos de Caroline e os viu marejados. Mas a raiva dentro de Maria Luiza era maior do que qualquer coisa naquele momento. Raiva de si mesma, por amar e sentir demais, por tudo e por todo mundo.
- Como você pode dizer essas coisas... - Caroline recomeçara a falar. Mas Caroline a interrompeu:
- FICA QUIETA! Eu não quero ouvir mais nada, eu já sofri demais por você, acabou - disse Maria Luiza - vem Nicolas.
E eles foram andando devagar, enquanto o crepúsculo no céu aparecia. Nenhum dos dois disse uma única palavra. Maria Luiza tentava ao máximo não deixar que nenhuma lágrima caísse de seus olhos. Mas ela sentiu o coração mais leve depois de tudo o que dissera à Caroline. Quando chegaram em frente a casa de Maria Luiza, Nicolas puxou a garota em um abraço. Era tudo o que ela precisava. Nem palavras, nem sons, nem problemas ou explicações. Só um amigo, que a abraçasse e dissesse que as coisas iriam ficar boas. Um fato era quê: quando as coisas ficavam ruins, sempre se resumiam à Caroline. Mas sempre haveria alguém, para levantá-la, depois que a tempestade a derrubasse.

Algo Sobre Ela, e EuOnde histórias criam vida. Descubra agora