I. Caroline

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Eu estava olhando o relógio pela quarta vez em menos de cinco minutos. Ultimamente tenho me sentido angustiada e triste, e parece que estou sempre esquecendo alguma coisa. O celular em casa, um livro da escola em cima da mesa, o meu cachorro no pátio. Mas na verdade está tudo em seu devido lugar. Mas tenho sentido a falta de alguma coisa, talvez um texto nunca escrito, um eu te amo nunca dito, ou uma música que eu nunca aprendi a tocar no violão. E tem a Caroline. Tem seis meses que não trocamos nenhuma palavra, e ela tem sido a causa da minha insônia, das minhas crises de adolescente depressiva, tem sido a causadora da minha dor. Eu não paro de pensar nela, mas não há nada que eu possa fazer. É estranha a sensação de querer muito algo, mas não depender só de você para ter. Eu me acostumei com o silêncio dela, me acostumei a olhar pra ela todos os dias, ouvir a voz dela, sua risada, mas ser uma mera observadora. Acho que vou sempre ver a vida dela passando de longe, sem nunca mais fazer parte dela.
- Maria Luiza, tu pode ir na biblioteca escolher alguns livros para a próxima aula de literatura? - minha professora de literatura me tirou dos meus pensamentos. Cá estou eu de volta ao doloroso mundo da realidade, onde a Caroline está de pé na porta olhando pra mim.
- Claro. - Eu disse, já me levantando e tentando não olhar para Caroline, e ao mesmo tempo tentando entender porque ela está olhando para mim.
- Caroline vai te ajudar. - minha professora pareceu entender meu olhar confuso.
O chato não era ir à biblioteca escolher livros, até porquê a biblioteca era o meu lugar favorito, foi meu refúgio durante muito tempo. O chato era que eu não trocava uma palavra com Caroline fazia seis meses, e agora ela estava fechando a porta da biblioteca onde ficaríamos sozinhas nos próximos 25 minutos. Caroline era minha ex-namorada, o nosso término foi de grande repercussão na escola toda. Nós namoramos durante três meses, até que um dia a mãe dela descobriu, e não aceitou o namoro homossexual da filha. Então nós fomos separadas de um dia pro outro. Nós tentamos ficar juntas, eu fiz de tudo, mas ela não fez tanto assim. Isso aconteceu faz oito meses. Nós mantivemos contato durante dois meses, até que um dia ela mandou a seguinte mensagem:
''Maria Luiza, eu sei que não vai dar certo toda essa situação de ter que ficar me escondendo pra te ver. Eu sei que tu ta sofrendo, e eu também to, mas acabou. A gente tem que aceitar isso e seguir em frente. Eu te amo muito, mas não vai ser mais a mesma coisa. Desculpa, acabou.''
E nos dias que se seguiram foi como se eu não existisse mais para ela. Aqui estou eu seis meses depois dessa mensagem. Por algum motivo eu lembro de cada palavra da mensagem, minha memória sempre foi ruim, mas disso eu lembro claramente. Talvez eu tenha sérios problemas de só lembrar daquilo que me fez sofrer. Caroline sabe que eu ainda á amo, todo mundo sabe. Mas, como eu já disse, não depende só de mim. Eu até namorei algumas meninas depois da Caroline, mas na verdade eu só estava tentando encontrá-la em outro alguém.
- Malu - eu ouvi a voz dela vindo do outro corredor de livros, e era assim que ela costumava me chamar - a chave da porta ta contigo?
- Ta aqui - respondi mostrando a chave. Ela se voltou para os livros. Alguma coisa dentro de mim queria continuar aquela conversa, queria dizer mais. Mas havia uma parte - a parte racional - que fazia meus lábios travarem. Todo mundo gosta de falar, mas na verdade eu nunca fui uma boa comunicadora. Sempre vivi em constante monólogo, mas dificilmente deixava as palavras alcançarem meus lábios.
- Tudo bem por aí? - eu queria ter assunto melhor, mas foi a única coisa que consegui inventar no momento.
- Tudo bem sim - ela respondeu, dando mais atenção para a poeira nos livros do que para mim. Eu não insisti em tentar uma nova conversa, era óbvio que eu faria papel de idiota e isso serviria pra ela ter assunto com as amigas. Eu tinha que aceitar o fato de que ela havia mudado completamente, e até namorava um menino, o que pra mim foi um choque. Não sei se por ela namorar um menino, ou ter superado tão rápido, e tão bem tudo o que vivemos.
Ela veio para o mesmo corredor de livros que eu estava. Eu não consigo deixar de dizer que estava me sentindo desconfortável com ela tão perto. Não que a presença dela ali fosse ruim, mas era a vontade quase insana e incontrolável que eu tinha de abraça-la novamente.
- Tu vai vir no baile que a escola ta organizando? - ela perguntou, um tanto quanto desinteressada. Perguntou quase como quem faz uma pergunta retórica. O baile de que ela falava era um baile que a escola estava organizando para arrecadar fundos.
- Acho que não. Não quero vir sozinha. - eu deveria ter dito que sim, que viria com minha namorada e tentar deixar ela com ciúmes. Mas era inútil mentir para Caroline. - Tu vem?
- Não sei, meu namorado não gosta muito desse tipo de coisa. - de vez em quando eu tinha quase certeza de que ela namorava só pra me deixar mal. Eu estava trocando as primeiras palavras com Caroline em seis meses, e já estava me decepcionando de novo.
- Sei, eu até pensei em convidar alguém, mas melhor não. Se não é pra vir com alguém que eu goste eu prefiro ficar em casa. - vou me arrepender profundamente de estar conversando com ela sobre isso.
- Pois é - ela respondeu, e o silêncio se fez presente de novo. Era estranho ficar tão perto dela, no mesmo lugar onde costumávamos vir quando fugiamos da aula para namorar, e agora não poder fazer nada.
Nós não nos falamos mais nos minutos que se seguiram. Voltamos para a sala de aula e tudo voltou ao normal. Finalmente havia chegado a hora de ir embora daquele inferno. Não que eu não gostasse da escola em sí, eu adorava estudar, adorava os professores, só odiva a maioria das pessoas que estudavam lá. E o problema não eram elas, era eu. Me tornei uma pessoa muito fechada depois de tudo o que passei por Caroline. Eu guardava tudo pra mim, ninguém precisava saber de nada, até porquê, ninguém se importava.
Estava chovendo fraco quando sai da escola. Ninguém estava lá pra me levar pra casa, então o jeito era ir na chuva mesmo. Eu coloquei meus fones, e segui pelo mesmo trajeto que eu fazia todos os dias. Eu não sabia dizer quanto tempo levava ao certo da minha casa até á escola. Só sei que dava tempo de ouvir, mais ou menos, duas músicas.
Eu percebi logo ao abrir o portão que não havia ninguém em casa. Entrei para dentro e tranquei novamente a porta. A primeira coisa que reparei foi que havia um bilhete em cima da mesa:
"Malu, fui ao banco com teu irmão, só voltamos depois das 15:30
Beijos, mamãe.''
Eu gostava de ficar sozinha. Queria que as horas passassem bem devagar. Fui para o quarto e liguei a tv. Deixei em algum desenho animado, não sei por quanto tempo consigo me manter acordada para assistir algo. Um dos ''efeitos pós termino com a Caroline'' foi que eu passei a dormir muito. E quando digo muito, é muito mesmo. Eu estudava de manhã, dormia a tarde toda, acordava para jantar, fazer as tarefas, ouvir reclamações da minha mãe de que eu só durmo e não faço mais nada, falar um pouco de futebol com meu irmão, ir até a casa da minha prima (isso só quando eu estava de ótimo humor), e então eu voltava a dormir por mais umas dez horas. Os únicos dias que eu me mantinha mais tempo acordada era quando assistia futebol. Eu estava quase pegando no sono quando meu celular vibrou e então eu me assustei - havia deixado ele na mão. Fui ver de quem era a mensagem.

Caroline
Oi, tudo bem?

Algo Sobre Ela, e EuOnde histórias criam vida. Descubra agora