Capítulo 1

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Todos os dias para Angel era a mesma coisa. Acordar, escovar os dentes, lavar o rosto e correr para a janela. Harry já havia acordado e estava colocando sua típica camisa branca. Ela gostava de como os músculos das costas dele ficavam salientes quando ele fazia os movimentos para entrar na camiseta, como o cabelo dele estava sempre cacheado e bagunçado, como se tivesse vontade própria. Ela gostava de pensar que um dia faria carinho naquele cabelo e que ficaria segura naqueles braços.

Ele prendeu os cabelos com um elástico e Angel ficou um pouco triste. Ela gostava mais quando os cabelos dele ficavam balançando com o vento, todo bagunçado. "Um dia, vou mexer nesse cabelo" pensou ela. Ele sumiu de seu campo de visão, provavelmente foi tomar o café da manhã e pegar sua bolsa. Após uns 10 minutos, ela o vê saindo pela porta da casa e descendo a rua em direção a escola.

Ela queria poder ir à escola, mas seu pai não a deixava ir. Ela também não sabia se comunicar muito bem, tinha dificuldade de falar e nunca foi tratada por médico nenhum, não tivera nenhum aprendizado ou avanço desde a morte de sua mãe, como iria assistir aulas? Seria motivo de piadas, muito provavelmente.

Harry sumiu de seu campo de visão e ela imediatamente se sentiu triste. O único momento de felicidade dela acabou-se. Essa rotina se repetia a anos, mais do que Angel consegue se lembrar. Desde que se mudou para cá, ela observa o garoto da casa a frente, que, por sorte tinha sua janela em frente a dela.

Ela o viu crescer, suas várias tatuagens surgirem, suas roupas se tornarem pretas, ela o viu chorar inúmeras vezes, ela assistiu muitos filmes com ele, embora ele não saiba disso. Ela o viu perder a virgindade, lembrança dolorosa demais para sua mente. Ela o viu começar um namoro e termina-lo no mesmo mês. Se fosse ela a sortuda, esse namoro não acabava nunca.

Um barulho no corredor chamou a atenção de Angel e ela mais que depressa se deitou na cama e fingiu ainda estar dormindo. A porta foi aberta e um homem entrou nele. Ele limitou-se a observar a garota deitada na cama com os olhos fechados. Depois de alguns minutos, ele saiu do quarto fechando a porta. Outra porta no corredor foi aberta e finalmente Angel pôde abrir os olhos e sentar-se.

Ela não tinha muita experiência em relacionamentos, sejam familiares ou não, porém ela sabia que seu pai e seu irmão não deveriam toca-la da forma que tocam. No começo, ela resistia, se debatia, e apanhava muito por isso. Depois de muitos olhos roxos e muitos cortes pelo corpo, ela aprendeu a ficar quieta. Era doloroso e desconfortável, mas, ao menos não ficavam tantas marcas. Ela não queria que Harry a visse feia.

Angel queria estar bonita para quando ele reparasse nela e eles pudessem finalmente viverem felizes. Novamente, a porta no corredor fez barulho. Passos na escada foram ouvidos, e a porta da frente aberta, fechando-se logo em seguida. Seu irmão saiu para a escola. Um a menos para abusar da menina, e o alivio em seu corpo denunciava que ela se sentia mais segura sem ele por perto. Agora falta seu pai. Ela não se lembra se ele voltou para casa ontem, pois dormiu cedo e, felizmente, seu irmão não a visitou.

Ela decidiu sair de seu quarto. Na ponta dos pés, Angel foi em direção a porta de seu quarto e abriu-a devagar. Com passos pequenos e silenciosos, ela seguiu o corredor em direção ao quarto do seu pai. A porta já estava aberta e ela viu a cama já ajeitada, o que mostrava que seu pai não havia mesmo voltado para casa. Isso era bom ou ruim? Pelo menos ela poderia ficar em paz por alguns minutos extras.

A jovem menina desceu livremente as escadas e foi em direção a cozinha, onde havia uma louça transbordante na pia, cereais e cascas de pão por toda a bancada e um cheiro de comida apodrecida pelo cômodo. Seu pai dispensou a empregada para que ninguém soubesse da relação deles, e, ele nunca exigiu que Angel limpasse nada, porém, ele e seu irmão nunca limpavam nada. Ela decidiu se arriscar a limpar como via sua mãe fazer quando ainda era viva. Pegando um saco, ela jogou todas as embalagens de cerveja, cereais, pães e copos descartáveis. Abriu a geladeira e pegou todas as comidas que ela sabia que haviam estragado, que estavam velhas ou embalagens vazias que seu pai e irmão haviam deixado ali.

Depois de deixar o saco de lixo em um canto da cozinha, Angel pegou uma esponja, colocando o detergente e começando a lavar tudo da melhor maneira que sabia. Enquanto fazia seus afazeres, ela pensava em Harry. Ela se lembra bem de quando viu Harry pela primeira vez de perto. Foi no enterro de sua mãe, 5 anos atrás. Ele se sentou ao seu lado, com um terno preto e o cabelo cacheado e curto jogado na testa. Pegando em sua mão, ele lhe disse com uma voz juvenil levemente rouca:

- Sinto muito!

Ela se lembra de soar frio com este pequeno contato! Pareciam haver milhares de borboletas em seu estomago, um sentimento de nervosismo com felicidade se espalhou pelo seu corpo. Ela assentiu com a cabeça, sem conseguir falar e apertou-lhe a mão de volta. Ele levantou-se e foi para junto de sua mãe. E esse foi o único contato físico que tiveram em todos esses anos de amor em silêncio.

Foi nesse dia que ela se deu conta de que amava o menino, não apenas tinha curiosidade. Seus olhos extremamente verdes e sua pele branquinha e macia a haviam feito ver que, apesar de coisas ruins acontecerem em sua vida na época, coisas boas também poderiam acontecer. Era nesse fio de esperança que ela se agarrara e conseguíra seguir sobrevivendo todos esses anos. Enquanto ela pudesse ver Harry, ela se sentiria forte o suficiente para enfrentar o mundo. 

Após terminar de limpar toda a louça, ela começou a limpar a pia e o fogão. Um barulho na porta a assustou e, ao olhar para trás, encontrou seu pai todo desgrenhado, com a camisa aberta e a gravata larga, os olhos raiados e avermelhados pela bebida e falta de sono. Um cheiro forte de álcool tornou-se presente no ambiente e Angel imediatamente se pôs a tremer.

- Vamos brincar, filhinha?

Pelo amor de Deus, não. 

xXx

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