Piloto

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O sol estava se pondo no horizonte, quando Rafaela chegou no grande Bar do Rock. Era uma estrutura imensa de madeira, feita de grossas vigas que hoje se encontram envergadas pelo tempo. Sendo propriedade da família Eller, não poderia ser menos que isso. Foram construídos dois andares, sendo o segundo formado por quartos e demais cômodos para moradia e embaixo, no térreo, bar e garagem. Havia também um porão, cheio de coisas velhas de seu pai, mas a menina tinha medo só de pensar que tipo de bixos poderiam haver ali. Nos fundos do bar havia algo próximo a uma oficina mecânica meio abandonada, mais utilizada para pequenos reparos, pois a família possuía um lugar bem mais amplo para conserto de motos, com ferramentas bem melhores e equipamentos sofisticados. Rafaela era uma moça um tanto baixinha, sua pele lembrava claras nuvens de um verão muito vivo, quando espostas ao sol. Seus cabelos pretos eram longos, muito lisos e dançavam com o vento sempre que não estavam presos. Ela Pilotava uma Bobber customizada ano 2002. Não era seu modelo ideal de consumo, mas era o que ela pôde pagar no momento, pois recém havia terminado sua faculdade e isso apertou seu lado financeiro. Cuidava do bar de seu pai, enquanto ele resolvia as coisas de seu MotoClub. O bar mal se manteria se fosse ver apenas o lucro financeiro, ainda que o montante não fosse tão baixo assim. O bar estava sempre de portas abertas para quem quisesse um trago para aliviar a mente ou um simples lugar para discussão.  Havia uma jukebox movida a fixas, para que assim, qualquer pessoa pudesse escolher seu estilo musical, desde que não fugisse do gênero que o nome do bar sugeria. Há boatos de que certa vez, um cliente para lá de embriagado insistira em pedir musicas que não satisfazia o gosto musical dos demais clientes que estavam presente naquele momento. O infeliz amanheceu com um coração e uma ferradura tatuada grotescamente no pescoço, deitado próximo a uma lata de lixo no centro da cidade. Salvo dizer que o bar nada teve de participação naquilo, talvez alguns membros do Iron Wings, motoclub que o pai de Rafaela presidia. Mas não podemos acreditar em tudo que é boato que surge nessa pequena cidade, não é mesmo? Falaremos mais do bar; As cervejas eram de todas as marcas, tipos e rótulos que se pode imaginar em um bar de cidade pequena. Haviam varias mesas de sinuca e bilhar, todas muito bem conservada, as vezes com riscos de giz ou leve camada de poeira devido a rodovia que mantinha um grande fluxo de caminhões. Como já dito a ideia do bar, não era ser lucrativo, mas sim uma estadia para quem chegasse de viagem e quisesse descansar, ou simplesmente feito para quem quisesse espantar o tédio. Na verdade servia mais de suporte para outras filiais do MC* e ponto de encontro para os membros locais, que sempre senreuniam para fazer nada juntos. Além da pequena garagem nos fundos do bar, haviam também quartos que as vezes serviam como hotelaria, as vezes motel, e algumas noites Rafaela fazia um caldo de feijão de dar água na boca. Leve e quente, as vezes clientes que nem curtia a temática do bar ou mesmo ingerisse bebida alcoólica, vinha ali apenas para jantar o famoso caldo de feijão que era servido por conta do Motoclub. O prato também era ótimo para quem quisesse forrar seus estômagos antes de encher a cara, ou se esquentar do frio da estrada nas madrugadas, que aos poucos dissipavam o mormaço quente do asfalto nesse pais de clima tropical.

Não era dia útil, logo havia muitas pessoas indo e vindo, principalmente nesse horário, que era logo após escurecer, quando as pessoas entravam no bar aos montes para o famoso happy hour. Aos poucos apareciam alguns motoqueiros, caminhoneiros e deslocados que iam chegando e ancorando no balcão do bar. Atenta, a menina ouvia suas historias, enquanto servia as cervejas ou enchia as canecas com um chopp artesanal fabricado em uma cidade próxima. Algumas dessas historias era um tanto exageradas mas um bom ouvinte sabe ouvir e tirar suas conclusões, como dizia John Eller. Alguns de seus clientes, a maioria homens, diziam que sua aparência era de uma jovem de 20 anos, apesar de sua verdadeira idade ser 23. Ela jamais saberia se era cantadas de bebuns ou se de fato a estavam elogiando, por vezes pensou que sua personalidade divertida a rejuvenescia.
O cheiro do tempero de seu prato principal já tomava conta do ambiente, em minutos todos comeriam e não cessariam suas altas risadas. Como ja dito, o caldo era servido sem nenhum custo. Do panelão feito, pouco mais da metade era transferido para uma panela um pouco menor, e levado por algum membro do MC para próximo ao centro de reabilitação, para ser distribuído para pessoas com carência alimentícia. Não que os Ironwings fossem de todo boas pessoas, mas tinham um nome a zelar, inclusive, haviam membros com pretenção a candidatura de cargos politicos.

"Não dou meu dinheiro a instituições, pois prefiro promover o bem do meu jeito simples de ser. Nem todos precisam de paz espiritual, para alguns a fome é uma necessidade básica! Meus pecados são muitos, mas nem tudo que faço é pecar". Jhon Eller  

E quando a noite, já estava se agonizando no clarão da aurora, cansada, a taberneira esperava seu amigo Mateus passar pelo bar, antes de ele ir a uma fazenda onde trabalhava, a qual ficava a poucos quilômetros dali. Uma pequena e velha TV, contava sobre tragédias e pandemia que ocorria no ocidente. Dentre as noticias, havia, panico, mortes por um novo virus e guerra civil por busca de suprimentos. Ignorando as noticias, como de costume, Rafaela fechou o bar e com o seu amigo recém chegado, foram beber algo na frente do bar, esticando as pernas e olhando as carretas passarem, caminhões barulhentos fazendo ar para desacionar os freios a cidade acordar. Conversavam coisas de amigos, as vezes assuntos íntimos até demais, para amigos normais, mas nada além de irmãos que a vida deu. Outras vezes coisas muito bobas que lembrava duas crianças no ensino fundamental e por vezes nada falavam, apenas se perdiam juntos em pensamentos enquanto saciavam a sede de malte. Mat era um rapaz magro e alto, um descrito caipira e amante de musica sertaneja nacional. Transpirava modas de viola e os sertanejos raiz, mas também sabia de cor as letras dos hits mais atuais como generos Pop, Funk e musicas que Rafaela desprezava. Mesmo muito diferentes em aspecto cultural, Mateus e Rafaela se davam muito bem, desde os tempos de infância. Ela o considerava o irmão que nunca tivera, apesar de as vezes ele insistir na possibilidade de ficarem juntos. Alias, tendo uma cerveja gelada, para eles tudo se tornava muito mais que agradável. Se conheceram quando crianças, quando foram vizinhos por alguns dias e na semana seguinte estavam estudando junto na pré-escola. Inclusive Mateus conclui que, gracas a pequena Rafa que foi desperto sua paixão por motores, de certa forma, um tanto diferente, pois seus motores eram maiores e mais pesados, quando jovens, observavam o pai da garota trabalhar em varias motocicletas no fundo do bar que hoje se encontrava cheio de teias de aranha. Matheus se sentia atraido por maquinas diversas, a maioria voltada para produção agrícola, como gigantes tratores e colheitadeiras, sabia que nunca lhe faltaria oportunidade de emprego em qualquer lugar do Brasil. Próximo ao horário de sua partida, Mateus se despediu com um toque de mãos que ambos tinha decorado desde sua "época descolada" do ensino médio. Ele entrou na sua Ford D20 á diesel e seguiu caminho para a fazenda em que trabalhava. Poderia ter tido mais de meia hora de sono, mas preferiu beber umas cervejas a companhia de sua melhor amiga, como o fizera desde adolescência. Não permitiria que aquela amizade esfriasse com o tempo e temia que Rafaela quisesse dar um up em sua carreira e fosse embora de sua cidade natal. Pior que acordar cedo era disfarçar o halito de cerveja logo pela manhã, por isso Matheus beberia café assim que pudese.
Rafaela entrou no bar, caminhou até a escada que dava para seu quarto no segundo andar, feita de madeira, com varias vedações laterais para utilização do ar-condicionado, desligou as luzes que iluminava o grande saloon, respirou fundo e subiu para o segundo andar que dava acesso ao seu quarto, detestava subir aquele lance de escadas, mas se tinha as pernas forte, valia a pena aquele esforço cotidiano. Seu quarto tinha a janela apontada pra rodovia, onde já se via bem menos caminhoneiros esquentando o motor de seus caminhões e fazendo café, e o patio bem mais vazio que estivera a trinta minutos atrás. O dia estava quase amanhecendo, em breve os primeiros raios de sol entrariam antes de qualquer lugar, na janela de Rafaela. A garota coçou seus olhos muito verdes para atrair o sono antes de dormir. Nesse dia, tudo ocorreu bem. Mais uma missão cumprida, mais um dia em que ao invés de ser monótono, Rafaela fez questão de viver cada minuto e cada detalhe! A garota não fechou sua janela, pois preferiu sentir o que restava do frio gélido da manhã. Em poucos minutos já estaria dormindo.

*MC - Abreviação de Motoclube

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