Capítulo 16

27 0 0
                                    

REACHER DIRIGIU LENTAMENTE DE VOLTA para a baixa Broadway. Desceu com o enorme carro pela rampa da garagem. Estacionou na vaga de Jodie e o trancou.

Não subiu para o apartamento. Caminhou de volta pela rampa até a rua e seguiu para cima, até o café. Pediu que o balconista servisse quatro expressos num copo de papelão e se sentou à mesa cromada em que Jodie ficara quando ele inspecionou o apartamento na noite em que tinha voltado de Brighton.

Caminhara de volta pela Broadway e a encontrara sentada ali, olhando para a foto falsificada de Rutter. Sentou-se na mesma cadeira em que ela estivera, assoprou a espuma do expresso, sentiu o aroma e deu o primeiro gole.

O que dizer para os velhos? A única coisa humana a fazer seria ir até lá e não lhes dizer absolutamente nada Apenas que ele não chegara a lugar nenhum. Simplesmente deixar toda a coisa vaga. Seria uma gentileza. Apenas chegar lá, apertar suas mãos, dar a notícia sobre a fraude de Rutter, reembolsar-lhes o dinheiro e depois descrever uma longa e infrutífera busca retroativa pela história que terminava em lugar nenhum. Depois implorar que aceitassem que o rapaz estava morto havia muito tempo e compreendessem que ninguém jamais poderia lhes dizer onde, quando ou como. Então desaparecer e deixá-los seguir com o pouco que lhes restava de suas vidas, com qualquer dignidade que pudessem encontrar sendo apenas mais dois em meio a dezenas de milhões de pais que abriram mão de seus filhos para a noite e a névoa que caía sobre um século aterrorizante.

Bebeu o café devagar, com a mão esquerda fechada sobre a mesa diante de si.

Mentiria para eles, mas por compaixão. Reacher não era muito experiente em termos de compaixão. Era uma virtude que sempre correra paralelamente à sua vida. Jamais estivera no tipo de posição em que esse tipo de sentimento fizesse alguma diferença. Jamais seu dever o obrigara a dar más notícias aos parentes.

Alguns de seus contemporâneos tinham essa atribuição. Depois do Golfo, criaram destacamentos encarregados disso, um oficial mais velho da unidade envolvida juntava-se a um policial do Exército, e, juntos, visitavam as famílias dos mortos, percorrendo longas e solitárias calçadas, subindo as escadas dos apartamentos, dando a notícia que suas chegadas formais e uniformizadas já anunciavam antecipadamente. Ele supôs que a compaixão fazia uma grande diferença para aquele tipo de missão, mas sua carreira estivera muito bemfechada dentro do próprio serviço, onde as coisas eram sempre simples, quer acontecessem ou não, boas ou ruins, legais ou ilegais. Agora, dois anos após deixar o serviço, a compaixão subitamente se transformara num fator em sua vida. E o faria mentir.

Mas ele iria encontrar Victor Hobie. Abriu a mão e tocou a cicatriz da queimadura por cima da camisa. Ele tinha um acerto de contas. Inclinou o copo até sentir a borra do expresso nos dentes e na língua. Jogou o copo no lixo e saiu de volta para a calçada. O sol caía em cheio na Broadway, vindo levemente do sudoeste, diretamente sobre a cabeça.

Sentiu-o no rosto e virou-se em sua direção, caminhando para o prédio de Jodie. Estava cansado. Dormira apenas quatro horas no avião. Quatro horas, após mais de 24 horas acordado. Lembrava-se de reclinar a enorme poltrona da primeira classe e adormecer ali. Estivera pensando em Hobie naquele momento, como estava pensando nele agora. Victor Hobie tinha mandado matar Costello para que pudesse continuar escondido. Crystal flutuou em sua memória. A stripper das Keys. Não deveria estar pensando nela novamente.

Mas dizia alguma coisa a ela, no bar escuro. Ela vestia uma camiseta e mais nada. E então Jodie falava com ele, na penumbra do estúdio nos fundos da casa de Leon. Sua casa. Ela lhe dizia a mesma coisa que ele dissera para Crystal. Ele dizia que deve ter pisado no calo de alguém lá pelo norte. Ela respondia que ele deveria ter acionado algum tipo de alarme, deixado alguém em alerta.

Alerta Final - Jack ReacherOnde histórias criam vida. Descubra agora