Vaidade

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Não sei se deu para perceber, com a pouca descrição que eu fiz de mim até aqui, mas eu nunca fui uma mulher (mulher, veja só) muito vaidosa. Eu era limpa. Isso é o que importava na minha cabeça.

Meu foco sempre foi os estudos, nunca me preocupei em atrair a atenção de uma determinada pessoa. Até aquele dia.

Entenda, eu já havia tido uns namoradinhos, e umas ficadas sem sal aqui e alí - minha vida amorosa, assim como a social sempre foi muito animada, como pode ver  - e eu nunca achei a aparência fator completamente determinante num relacionamento.

E não é, pessoas e meu amor, que nunca vai ler isso, se Deus for caridoso.

Tenho certeza que tu não lembra desse dia - ou talvez lembre, tua memória sempre foi muito boa.

Era um dos dias "com o celular", nós dois tínhamos créditos e nos parcos minutos de espera na praça dispensávamos o teu falatório incessante. Nessa altura do campeonato nós já estávamos muito próximos, bem amigos mesmo, acho que foi isso que me impediu de te matar naquele dia.

Eu percebi que tu tava me dando uma encaradas enquanto digitava. Pensei que era porque não conseguia desgrudar os olhos de mim, claro. Até tu abrir a boca.

- Carol, sabe Carla? - você falou com um sorrisinho.

Carla era uma emo gótica que também ia no mesmo carro que a gente. Ela era legal até, mas já tinha declado amor incondicional por você alguns milhões de vezes.

- O que tem ela? - eu esperava uma declaração amorosa da tua parte para ela também, meu coração já sangrava. Mas o que tu falasse foi pior.

- Ela veio me perguntar se a gente tava ficando. Vê se pode? A gente? Tanta menina bonit...

Eu lembro disso perfeitamente.

Você se interrompeu para não terminar a bosta que tinha falado. Ainda guardo mágoas por isso. QUER DIZER QUE EU NÃO ERA "BONITA" O SUFICIENTE PARA OS TEUS PADRÕES?  DESDE QUANDO EU ME IMPORTAVA COM ISSO MESMO?

Que ridículo, né - disfarcei sabiamente com um grunido e essa resposta engasgada.

Nunca mais eu tinha grunido para você,  deveria ter percebido que era um sinal na sua falta de senso. E eu acho que deu certo, uma vez que você pareceu bem constrangido depois disso. Ou talvez tenha sido a frieza que eu te tratei o resto da noite.

Eu tive tanto ódio. Pela primeira vez, depois vieram outras, muitas mais situações em que eu te detestei. Mas essa, para mim, sempre foi a mais emblemática. Quem tu pensava que era? Quem eu pensava que tu era?

Você era (é) vaidoso, muito mais do que eu, não que fosse difícil. Mas não chegava a ser fútil. Ou talvez chegasse, mas nunca te enxerguei assim.

E essa tua beleza meio bruta já ajudava:cabelos claros, olhos verdes, uma pele bronzeada, estilo surfista mesmo, que coisa ridícula, esse teu sorriso - foco - esse corpo grande, forte, bem cuidado - FOCO - era bastante agradável aos olhos de quem via. Parecia um homem. Um homem lindo. Não parecia ter apenas teus 17 para 18 anos.

Naquele dia, naquela noite, eu passei por um processo intenso de reflexão acerca da vida. Na verdade, somente no modo como eu (não) lidava com a minha aparência, no auge dos meus 16 anos - é, eu terminei cedo o ensino médio - que exemplo de mulher adolescente eu sou!

Eu não era feia, era?

Tudo bem que talvez meus 63 kg me deixassem com os braços grossos, mas eu sempre fui uma criança alta, tanto é que sempre acompanhei o crescimento dos colegas 2-3 anos mais velhos. E a minha bundona, como já falei, sempre foi digna de nota (talvez porque eu tenha tara por bundas, a sua nunca foi das maiores, mas eu te queria mesmo assim).

O fato é que: talvez meu coque de todo dia - cabelo amarrado em um nó bem malfeito no topo da cabeça - não fosse muito sensual. Apesar da cor maravilhosa. Pobre de mim. E talvez se eu escondesse umas olheiras, uma acne, vez ou outra, eu parecesse mais atrativa.

Ou não.

Nesse período, nesse dia na verdade, eu achava que você tinha destruído todo o tesão que eu tinha pela tua pessoa. E destruiu, em parte. Mas eu já estava ferrada e não tinha percebido.

Eu espero que eu tenha conseguido te mudar também, ao menos nesse sentido. Idiota. Ainda estou puta com isso.

Resultado: eu quis provar para mim mesma que eu merecia. Eu merecia a atenção das pessoas, e eu merecia atenção de mim.

E foi isso que eu fiz.

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