O tempo que se seguiu foi um dos mais reflexivos da minha vida.
Não sei se tu percebeu, claro que percebeu, mas até aqui eu mal falei de outras pessoas que não fossem você e eu.
E era mais ou menos assim que eu me sentia o tempo todo: só importava o "nós". Que nem era nós direito naquela época. Agora eu vejo o quanto eu estava obcecada.
Enfim, foram nas três semanas da tua recuperação que eu descobri e aproveitei realmente o quanto eu tinha mudado. Eu socializei mais depois que você sumiu.
Eu fui para todas as festas, todas as fugas de aula.
Eu importunei todos que eu pude.
Encontrei a pessoa insuportável que eu sou agora. Com muito mais eu do que já tinha sido em todo o meu tempo de vida. Passei a confiar mais em mim. Não em quem eu queria ser.
E foi assim que tu me encontrou naquela tarde escaldante de simulado. Aliás, custava ter dito: "vou voltar num sei quando"? Eu tinha que me preparar psicologicamente, ora bolas.
Sabe aquela sensação boa, de paz, que você se apropria quando fica - nesse caso, fica mesmo - com alguém que você gosta, sem grandes envolvimentos amorosos. Simples, fluído e feliz?
Foi desse jeito que Wesley, um dos melhores amigos que eu já tive, havia me deixado naquele dia. "De boas".
Às vezes, eu só queria que nós dois tivéssemos sido assim também.
Voltando aos fatos; esse era o motivo de eu sorrir tão relaxada, mesmo sozinha, na hora em que você chegou para pegar o carro.
Por isso que eu não babei tanto por tua volta, ou fiquei tão nervosa, ou te dei tanta atenção como percebi que fazia antes.
Ainda gosto de pensar que você percebeu isso e quis arruinar o que eu tinha construído, e não acreditar que você tinha sentido minha falta, como você falou quando estávamos voltando para casa.
Preferia, principalmente, não ter sentido toda a resistência que eu construí indo pelo ralo naquele momento.
Por que você tinha me encarar com aquele sorriso que parecia bom e mau ao mesmo tempo? Ou ficar me olhando toda hora como um felino olha para uma presa? Pois era exatamente assim que eu me sentia naquelas horas, um alvo fácil, uma boa vítima.
E eu, simplesmente, adorava. Já estava perdida.
Por esses e outros motivos que você não encontrou qualquer resistência da minha parte quando me puxou para mais perto.
É certo que eu não estava com nessecidades urgentes de amassos, por causa de mais cedo. Consequentemente, eu não te beijei como beijava antes - com uma urgência quase desesperada - nem voltei a fazê-lo nos meses que se seguiram.
Eu o fiz com calma, como se tivesse com preguiça. E ainda assim, isso só serviu para que eu percebesse que adorava o jeito que você segurava forte, possessivo. Adorava ter que sempre afrouxar o aperto das suas mãos nos meus cabelos
Adorava o jeito que a gente "sorria" em cima dos lábios um do outro no meio do beijo ou as coisas sem sentido que a gente falava para fingir que não tava só se pegando.Tinha esquecido disso tudo. E, puta merda, eu estava morrendo de saudades.
A medida que a realidade, e você, foram caindo sobre mim eu comecei a me concentrar com mais firmeza no que eu estava fazendo, não desesperadamente como antes, mas de forma mais ativa.
Era sempre você quem guiava o ritmo - não sei o que deu em mim a partir daquele dia, acho que foi a influência da minha vozinha interior pedindo mais confiança - mas eu te peguei de jeito daquela vez. Bem ridículo falar isso, só que foi o que eu senti.
Velho, eu não achava que fosse possível a nossa química melhorar, mas ela melhorou estupidamente depois disso.
- Carol, me deixa respirar um pouco também. Meu senhor, o que aconteceu com você? Onde estão aqueles beijos quase românticos? - eu tinha sentido teu tom um pouco surpreso naquela hora.
Ri para mim mesma, e para tu, e repeti a frase que eu havia me concentrado como um mantra nas últimas semanas.
- "Eu não preciso mais de romance."
Mais ou menos nessa hora, o carro chegou na minha casa.
Eu fiquei esperando do fundo da alma que a tua cara de tacho sorridente não significasse aprovação com a minha declaração.
Mas claro que era.
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Dezesseis
Romance"Talvez, só nos sintamos vazios porque deixamos pedaços de nós mesmos em tudo que costumamos amar." - R. M. Drake