Capítulo 21

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- Mas porquê? O que houve, Rafa?

Ele abriu a boca para começar a falar, mas uma mão o agarrou e ele simplesmente desapareceu, bem na minha frente. Ainda bem que não havia mais ninguém comigo no consultório.

Eu não podia simplesmente abandonar meu emprego no meio do expediente e sair correndo para fazer as malas. O que eu diria à dra. Kíssila? Aos meus avós? Ao Lu? Se dissesse a verdade, eles achariam que estou enlouquecendo e me internaram em um hospício.

Continuei meu trabalho, mas não consegui mais me concentrar direito. Por que o Rafa apareceu assim de repente para me dizer aquilo? E porque ele foi impedido de falar comigo? Eu gostaria tanto de entender o que acontece no mundo espiritual...


Fui no ônibus pensando em uma desculpa para tirar meus avós de Petrópolis. Fiquei olhando a chuva cair lá fora do ônibus, pensando novamente no que havia acontecido no consultório. Foi tão bom ver o rostinho dele... Mesmo que tivesse sido tão rápido.

A chuva estava tão forte lá fora, que quase não dava para enxergar a estrada. E eu ainda não tinha ideia da desculpa que daria ao Lu e aos meus avós...

Quando cheguei em casa, o Thor foi o primeiro a me receber. Fiz um carinho nele e me encaminhei até onde estava o meu namorado, no sofá. Sentei em seu colo, dando um beijo em sua boca apetitosa. Cumprimentei meus avós de longe. Os dois estavam na mesa da copa.

- Lu, me "bateu" uma saudade do Rio hoje. - Olhei para o outro lado pra ele não perceber que eu estava mentindo. Eu mentia muito mal!- ... A gente podia viajar pra lá, né?

- Claro, Laurinha! - Ele sorri para mim.- No final de semana, vocês podem ir junto comigo. Vai ser ótimo!

- Mas eu queria ir... Hoje!

- Hoje!? Por que você quer ir hoje? E o seu trabalho? Quer ser demitida? - Ele me encara, estranhando meu pedido.

- Filha, eu dei ótimas referências sobre você à doutora Kíssila. - Meu avô se intromete na conversa.- ... Não me faça passar vergonha, por favor.

Eu não estava sendo convincente o suficiente. Precisava de algo forte para convencê-los, mas eu não tinha nem ideia do que dizer à eles. O Rafa vem, me joga essa "bomba" e me deixa sozinha nessa? Apareça e me ajude, Rafael!


Depois do jantar, fui me deitar junto com meus avós. Não estava com cabeça para ficar de namoro com o Lu. Eu estava preocupada por não ter ideia de como seguir o conselho do Rafa. Se ele se arriscou, como pareceu que se arriscou, para me dizer aquilo, alguma razão devia ter.

Pensei bastante enquanto tentava dormir e uma ideia me ocorreu: Dizer que ouvi rumores sobre possíveis desmoronamentos de terra na região, por causa da chuva. Dessa forma, eu teria algo mais convincente para leva-los ao Rio.

Sentei no meu colchão e olhei meus avós na cama deles. Estavam abraçados e dormiam como bebês. Amanhã é outro dia... Voltei a me deitar.

Dormi tão mal aquela noite! Tive pesadelo e acabei levantando antes que o dia amanhecesse. Todos na casa ainda dormiam. O Thor tremia tanto por causa dos trovões que fiquei até com peninha dele. Embrulhei ele todinho na minha coberta... Gostosinho da mamãe!

Olhei pela janela para conferir a situação lá fora. O barulho de chuva já virara parte da rotina nos últimos dias, mas parecia que estava ficando cada vez pior. Eu estava começando mesmo a ficar com saudade do Rio!

Pisquei algumas vezes para entender, processar e me chocar com o que vi lá fora... O céu estava preto, mas os clarões provocados pelos relâmpagos, me permitiram ver a fúria da natureza a nossa volta.

Havia água correndo, raivosa, por toda a parte! Era tanta água que não faltava muito para chegar ali, onde estávamos no segundo andar da casa. De onde veio toda essa água, meu Deus?

Meu coração ficou tão acelerado que cheguei a pensar que ele fosse rasgar meu peito para saltar de onde estava... O que eu faço agora? Rafael, cadê você numa hora dessas?

Corri para o quarto do Lu e o acordei. Ele levantou, assustado. Levou a mão à boca quando olhou pela janela. Parecia tão perplexo quanto eu. Aquilo não podia estar acontecendo! Não! Não podia ser verdade!

Estávamos perdidos! Era o nosso fim! ... Era o nosso fim? Iríamos todos morrer naquela noite?

Não tive coragem de acordar os meus avós. Fiquei olhando para eles ali, dormindo um sono tranquilo, enquanto a morte nos cercava por todos os lados. Segurei o Thor no colo e o Lu me abraçou, tentando me acalmar. Ele parecia tão sereno...

A água gelada atingiu meus pés. Gelei. O Lu achou que seria melhor acordar meus avós, para que subíssemos até o terraço da casa. Disse que se ficássemos ali, o telhado cairia sobre nossas cabeças e não teríamos chance alguma.

Eu os acordei com a maior dor no coração. Pobrezinhos! Como acordar alguém com uma notícia dessas?


Estávamos todos juntos no terraço. Trovões cortavam o céu e a chuva caía sobre nós, mas o que era uma chuvinha quando estávamos prestes a ser jogados em rios de águas furiosas? Thor ainda em meu colo, tremendo de frio e de medo. Mas não era só o Thor que estava assustado e com medo...

Vovó chorava, sendo abraçada por vovô. Segurei firme sua mão. Eu não a soltaria por nada! Se fossemos morrer aquela noite, morreríamos juntas. O Lu me abraçou e sussurrou em meu ouvido: Te amo! Meus olhos se encheram de lágrimas. Como ele podia me amar estando ali por minha causa?

Quando o chão se desfez debaixo de nossos pés, imergimos juntos naquele "mundo" de águas geladas e velozes. Estava tão frio! Tentei segurar o Thor, mas ele se debateu e acabei o perdendo para a correnteza. Não vá, "fofucho"! Não vá!

Meus dedos, fortemente entrelaçados nos de vovó, foram inevitavelmente separados alguns segundos depois que perdi o Thor. Não! Não me deixem aqui sozinha!

Eu não podia vê-la. Não podia vê-los. Estava tudo escuro e gelado, mas senti uma dor muito intensa e amarga quando nossas mãos foram desligadas. Tive um pressentimento horrendo! Um pressentimento que nunca mais voltaria a tocar naqueles dedos...

Me debati fortemente... Não pela aflição da água entrando em meus pulmões, mas pela dor de estar perdendo tudo que mais amava na vida. Sosseguei e me deixei afundar ainda mais... Eu não iria, não queria sobreviver daquela vez! Sem meus avós, não! Não quero mais viver!

Deus, receba nossas almas no céu...


#Continua...


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