Os olhos do druida se abriram lentamente. Sua primeira visão foi de um homem idoso, mas com ar respeitável. Suas vestes eram velhas e rasgadas, com um grande manto de cor esverdeada e ele possuía uma barba branca que lhe conferia, ainda mais, a aparência de um sábio senhor. Por alguns instantes, o druida pensou que estivesse morto e que aquilo era o céu, o limbo ou, talvez, até mesmo o inferno. Mas, ao olhar melhor ao seu redor, percebeu que se encontrava numa pequena cabana velha de madeira com várias ervas, poções e outros itens interessantes.
– Foi uma queda e tanto, jovem. Teve muita sorte em ter sobrevivido. Sou Tarûk, o curandeiro. Nem precisa me dizer quem é, aventureiro, pois sei de tudo que acontece nesta floresta, que faço de minha morada – disse o homem.
Ainda um pouco zonzo, estranhamente, Alain foi capaz de balbuciar algumas palavras:
– Mm-me-me-mmeu ti-tigre... On-on-onde e-ele está?
– Não se preocupe, ele está são e salvo descansando lá fora da cabana. Além dele, encontrei também esta mochila, mas parece que o dono dela não teve a mesma sorte... – respondeu o curandeiro mostrando a mochila que pertencera ao anão Gordin. – Mas, agora, descanse. Foi uma queda impressionante pela cachoeira do Rio Selvagem. Muitos não sobreviveriam. Diria que hoje é seu dia de sorte.
Mas sem escutar o sábio senhor, Alain se levantou e preparou suas coisas para partir dizendo:
– Mu-mu-muito obrigado, ma-mas pre-preciso ir! Te-te-tenho um-ma gra-gra-gra-gran-grande missão e-e na-na-não posso perder tem-tempo aqui.
– Tudo bem, mas irei contigo, pois a jovem ninfa Marin Moonlight me pediu para tomar conta de você em sinal de agradecimento por ter salvado a vida dela, anteriormente – respondeu o curandeiro.
O druida saiu da cabana meio que desconfiado, mas seus medos acabaram-se rapidamente ao perceber o belo animal que estava postado ali, diante dele, imponente. Era Egona, a égua da jovem ninfa. Então, Tarûk continuou:
– Ela deixou também este presente para que possamos chegar mais rapidamente até o seu destino: a Montanha das Sombras da Floresta das Trevas, lar do terrível ser que controla toda esta floresta. E, se existe alguém que conhece o paradeiro do que procura, é aquele que se encontra na montanha.
Sem mais delongas, Alain chamou por seu tigre com um assovio e montou a égua, juntamente com o curandeiro. O tigre levantou-se, rapidamente, de uma sombra logo abaixo de uma das árvores e foi ao encontro de seu dono. Tarûk lhe entregou a mochila de Gordin e achou melhor começarem logo com a viagem. Caso contrário, eles perderiam um bom tempo ali, conversando, devido ao problema de fala do druida.
Mesmo que Alain estivesse muito agradecido ao seu salvador, permaneceu quieto. Então, foram embora, galopando em direção da montanha no centro da floresta. A caminho, Alain lembrava-se que muitos diziam que aquela montanha era o lar de um dragão verde ancião que possuía inúmeros tesouros.
Foi um bom tempo galopando pela Floresta das Trevas e, se não fosse pelo curandeiro, o druida já teria se perdido, talvez, para sempre. Após alguns instantes, Alain percebeu a mudança brusca no tempo através da umidade no ar e, logo à frente, viu que a mata começava a se abrir aos poucos numa nova clareira, que era o encontro de quatro estradas. Uma delas dava início à subida para uma pequena colina. Logo, Alain, Tarûk e seus animais já estavam caminhando por uma floresta aberta, que não fazia jus à fama da Floresta das Trevas. Este era um sinal de que eles estavam subindo a colina na direção da Montanha das Sombras. Ainda pensando no que diziam, o druida se lembrou que aquele era o covil do dragão verde ancião de nome impronunciável, Szarghshyyyk'stohrkkksgharsh, mais conhecido como Szar. Apesar do perigo que se encontrava adiante, Alain continuou em sua corajosa e tola busca, mesmo sabendo que a morte era o fim certo por tentar enfrentar um dragão tão terrível que apenas sua sabedoria druida permitia conhecer. À medida que ele e suas fiéis companhias caminhavam, pequenas gotas começavam a cair do céu e, logo, já estavam todos encharcados pela forte chuva que se iniciara. As gotas ficavam cada vez maiores e mais geladas, mas isto não impediu o jovem druida de continuar até o ponto que lhe forçou uma parada. Estranhamente, a velha bruxa da floresta e a ninfa, antiga dona da montaria do druida, se encontravam ali. A senhora estava deitada no chão duro da floresta e tinha a face pálida, enquanto a ninfa fazia o possível para aliviar sua dor, sem sucesso. Ao perceber a chegada do grupo, a ninfa disse:
– Ela está muito ferida. Foi atacada por uma planta carnívora venenosa que só cresce aqui na Floresta das Trevas. Como você pode ver, druida, até mesmo aqueles que já estão acostumados com esta floresta não estão livres dos seus perigos!
Alain ficou intrigado a respeito de como a velha haveria chegado naquele ponto antes dele, mas achou que este não era o momento mais apropriado para perguntas. Enquanto isso, Tarûk desceu da montaria e foi em socorro da senhora. Após um breve diagnóstico, disse:
– Tenho condições para salvá-la mas, infelizmente, minhas ervas e instrumentos de cura necessários para isto estão na minha cabana. Creio que até que eu vá e volte seja tarde demais.
Alain via, ali, parados na chuva, o homem que salvou sua vida, a mulher de seus sonhos e uma senhora à beira da morte. Então, resolveu descer da égua, entregando-a ao curandeiro e disse:
– Le-leve a-a-a se-se-se-nho-nhora pa-pa-pa-para a ca-ca-ba-na!
Assim, o druida deixou o curandeiro levar a senhora para a cabana usando a veloz égua Egona, enquanto ficou na chuva, junto da bela e jovem ninfa, Marin Moonlight. Alain e Marin entrelaçaram-se num forte e ardente beijo (que receberia uma tarja preta, caso essa obra fosse um filme). Logo após o delicioso contato, Marin afastou-se e disse:
– Você passou no teste, meu nobre e jovem amado. Agora siga para a Montanha das Sombras ao encontro de Szar. Porém, aguarde seus colegas na entrada da caverna, pois este dragão é incrivelmente perigoso.
– Na-nada disso, v-vou entrar lá so-sozinho e acabar com o d-dra-dragão por conta pró-própria. Só lhe pe-peço uma coisa: po-po-por favor, to-tome conta de meu companheiro animal. Nã-não que-quero que na-nada de mal lhe aconteça... – respondeu o druida, convencido de sua capacidade, enquanto o tigre sentia que seu dono o abandonava.
– A escolha é sua – disse a ninfa e chamou o tigre para perto de si. – Espero que consiga destruir o machado. Assim, nos encontremos em dias melhores...
Novamente, a ninfa desapareceu por entre as névoas deixadas pela chuva que ia se dissipando. O druida pensou em voz alta:
– De-de novo! A-Agora que-que pensei que-que íamos fi-ficar juntos...
Só agora Alain, o místico, notou que se encontrava numa espécie de clareira, que ligava quatro caminhos. O herói solitário partiu, cabisbaixo, subindo a ladeira em direção à montanha, com seus pensamentos desordenados. Depois de alguns minutos de caminhada, começou a sentir saudades de sua fiel companhia animal. Seu tigre sempre esteve ao seu lado para o que precisasse. Agora, o druida estava realmente sozinho. Mas, em face do perigo, preferia assim.
Já aborrecido pela subida sem fim, avistou alguém, baixo e gordo, parado no topo do morro. Alain apressou o passo e percebeu que um anão vestido de monge estava diante da entrada da caverna, ao pé da famosa Montanha das Sombras. Lembrava Gordin, mas não carregava um machado de anões, além de não possuir barba. Seu rosto era de poucos amigos e ele estava parado, como uma estátua, na frente da caverna.
– Q-Quem é você? Pre-preciso entrar nesta caverna e você não me impedirá! – disse o druida. No entanto, não recebeu resposta alguma.
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CONTOS MAL-ACABADOS DE GASNAR: LIVRO 1 - A FLORESTA CLICHÊ DAS TREVAS
FantasíaGasnar é um mundo de fantasia medieval como qualquer outro. Possui fadas, dragões, elfos e anões. Porém, apenas analisando as sagradas escrituras dos velhos sábios profetas antigos que já foram embora há muito tempo, mas em quem, até hoje, todos acr...