Viviane dirigiu-se à torre sul, onde Merlin a aguardava em seu quarto. Mas, ao contrário do que esperava quando se despediu dele ao avistarem as torres do castelo, algumas horas antes, não estavam prestes a cair nos braços um do outro até que os primeiros passarinhos da manhã começassem a cantar. Não. Ela ia com uma missão, e ia aterrorizada, não com a alegre expectativa de quem se dirige a um encontro amoroso. Falar com Morgana fora difícil — ainda tremia um pouco ao lembrar-se do tom chantagista de sua senhora, de suas ameaças. Mas falar com Merlin seria muito mais doloroso, uma conversa de consequências imprevisíveis.
A Lady Morgana, temesse o quanto temesse sua senhora, apenas recusara ajuda. A Merlin, ela confessaria uma postura traiçoeira, de alguém que sabia o perigo que ele corria, mas calou-se por covardia, e por priorizar seus próprios interesses. Essa era a verdade, mas sua justificativa era o apego a uma esperança que ela sempre soubera enganosa: a de que conseguiria a misericórdia de Morgana, e tudo seria como sempre fora. Quando a misericórdia falhou, apelou para a sutil ameaça: "Merlin é mais poderoso que vós..." Fora um erro. Conseguira apenas enfurecer ainda mais sua senhora, que era bem mais experiente neste jogo de intimidação. Agora, ela era obrigada a dizer a Merlin que ele jurara amor a uma traidora. E lidar com as consequências: a decepção, a fúria, a separação. Sim, esse era o motivo de seu temor ao falar com ele. Merlin iria lhe tirar algo que Morgana jamais poderia: o amor que ele até agora lhe dedicara.
Duvidava que sequer tivesse uma chance de lhe apresentar a contraproposta de Morgana; ele não quereria ouvir mais nada dela. E, se ouvisse, apenas se riria. Era uma proposta que só faria algum sentido enquanto ele a amasse. Chegou diante da porta. Deu umas leves pancadinhas. A porta se abriu de pronto, como se Merlin estivesse a postos do outro lado. Ela entrou, e foi recebida por um abraço.
"Tenho algo a vos dizer, milorde."
Diante do ar sério e do formalismo de Viviane (milorde!), Merlin sentou-se na cama, apreensivo, e fez um gesto para que ela se sentasse também. Chegara a hora de encontrar-se com seu destino? Ela obedeceu e, por uns segundos, apenas o fitou com os olhos cheios d'água. Isso o consternou.
"O que está acontecendo?"
"Sei que haveis de duvidar quando eu terminar de falar tudo o que vim vos dizer, mas eu vos amo."
Merlin prendeu a respiração, o coração disparado.
"Lady Morgana quer vossa cabeça. Ela contava com minha ajuda para vos derrubar. Sei disso desde antes de nossa viagem, meu querido! E nada vos disse por egoísmo, para não estragar o passeio, e por uma esperança cega de que tudo ficaria bem, de que eu a convenceria a desistir. Foi muita pretensão de minha parte! Hoje fui até ela, confessar que vos amo, portanto não poderia participar de qualquer ação para vos prejudicar. Pedi-lhe misericórdia, para mim, para vós. Mas tudo o que consegui foi enfurecê-la, e ser chantageada," concluiu, contando-lhe em detalhes as ameaças com que Morgana tentara dobrá-la.
Quando enfim parou de falar, Merlin a abraçou, e assim permaneceu por alguns minutos, enquanto lágrimas grossas rolavam por seu rosto, num choro silencioso e aliviado. A única outra vez em que sentira um alívio tão grande, era um menino de onze anos, e Uther acabara de recolhê-lo após incendiar a torre onde Vortigern o mantinha cativo numa jaula. Todo aquele sofrimento, a desconfiança... infundados. O amor de Viviane era sincero, ela nunca planejara contra a vida dele. Era tudo obra de Morgana apenas, da mesma forma que, na lenda, a intenção de ferir era de Apolo (Não obstante, ainda que sem intenção, Diana fere, foi o pensamento que lhe passou como um raio pela mente, mas que ele logo afastou).
"Estais bem?" Viviane perguntou, preocupada.
"Sim," ele respondeu.
Como não a liberasse do abraço, ela arriscou: "E não me odiais? Eu sabia de tudo, e me calei."
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Vale sem Retorno
Historical FictionUm amor condenado pelo futuro. Pelo que não era, ainda seria. Visite uma Camelot como nunca vista, cujo destino é guiado pelo que de fato tem o poder de mudar a História: não as guerras, mas as paixões. *** A ida de Viviane à corte...