LIVRO 2 -- CAPÍTULO 9

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Migolinos leitores, provavelmente, na versão final, a posição dos capítulos 8 e 9 será invertida, mas acredito que a posição atual em nada prejudique a leitura! ;) Beijos!

***

Quando saiu no encalço da irmã, no jardim, Arthur agiu por impulso e sem qualquer planejamento, mas sua expectativa era a de que trocaria algumas breves palavras com Lady Morgana e voltaria ao castelo de pronto, a tempo de encontrar Lady Guinevere ainda adormecida no leito, do modo que a deixara. Porém, só retornara horas depois, para um quarto vazio. A rainha possivelmente estranhou não vê-lo deitado ao seu lado quando acordou. Talvez o houvesse aguardado e, dada a demora, decidiu voltar a seus próprios aposentos. Depois ele se preocuparia com uma justificativa para sua ausência.

No momento, sentia apenas alívio por poder ficar sozinho. Seria difícil encarar a esposa agora, sem nenhum preparo, sem tempo para acalmar a sobrecarga dos sentidos que acabara de sofrer. Trancou a porta e passou a andar de um lado para o outro, encarando as paredes, respirando fundo. Sentava-se, levantava-se, voltava a andar em círculos, sem arrumar meios de sossegar, vítima de uma euforia nervosa. Estava em alerta total, a sensibilidade aflorada, exacerbada, estimulada por algo novo e desconhecido.

Unir-se fisicamente a Guinevere não era desagradável, mas não provocava nada além de uma satisfação física instantânea e efêmera, sem nenhum significado maior, tanto que mal pensava nela após o ato. O que, até então, ele considerava normal, "como tinha que ser". Mas sua união com Morgana transcendia o momento, impregnava-se nele. As sensações e as lembranças não o deixavam. À mera imagem de ambos no bosque, um arrepio descia por sua barriga e se firmava entre suas pernas, e logo seu corpo já respondia — era no mínimo embaraçoso. Tocou-se ali por alguns minutos, em busca de um pouco de alívio.

Ao se despedirem, ele havia-lhe pedido paciência, e garantira ir vê-la o mais breve possível. No entanto, quem carecia de paciência era ele. Contava as horas para o almoço, quando, ao menos, poderia pousar os olhos nela novamente.

Mas o almoço chegou e passou num piscar de olhos, e ele logo se viu esperando pelo jantar. Foi com irritação que, no início da tarde, dirigiu-se à sala de audiências para atender a Kay, Lancelot e quantos o buscassem para falar disso ou daquilo. Problemas, invariavelmente! "Blá-blá-blá Briogne", "Blá-blá-blá a chegada de Sir Dionas"... Era impossível para ele prestar atenção, limitando-se aos "hum-hum" e "pois muito bem". Quando a ceia enfim foi anunciada, chegou ao grande salão quase correndo. ("Estou morrendo de fome, Lancelot, depois vós me informais sobre isso!") Não queria perder a chance de olhá-la por um instante sequer. Porém, após vários minutos transcorridos, ele acabou por se convencer, desolado, de que Lady Morgana não viria. Ora, por que ele achava que seria diferente? Aquela manhã fora um evento tão desligado de todo o resto de sua vida que poderia muito bem ter sido um sonho ou um delírio. Nunca iria se repetir. Era o que Morgana parecia sinalizar com sua falta à mesa: fora um estado de exceção. Ele nunca a teria. Tomou a sopa, comeu o assado, sem sentir gosto de nada, desinteressado de tudo o que não fosse ela.

Lady Guinevere o arrancou de seu ensimesmamento quando, ao fim da refeição, o interpelou:

"Majestade, peço-vos permissão para me recolher a meus aposentos e lá passar esta noite, pois gostaria de escrever uma missiva a meus pais!"

Alheio e indiferente, Arthur apenas aquiesceu com a cabeça, sem dar importância aos repetidos pretextos da esposa para evitá-lo, esquecido da esperança que outrora alimentara de que, com o passar do tempo, aproximar-se-iam mais, esperança essa que parecia mais inalcançável a cada dia.

Enquanto os demais se despediam, Arthur fez sinal para que Kay, o atual senescal do castelo, esperasse um pouco.

"Pois não, Majestade?"

"Percebestes a ausência de Lady Morgana à mesa, não?"

"Decerto," Kay respondeu, amuado.

"Queria apenas me certificar de que notastes e ireis notificar a cozinha para que lhe sirvam a ceia no quarto."

"Não me faltava mais nada, servir de babá para aquela..."

"Para aquela princesa? Para aquela irmã do rei?" Arthur completou a frase em um tom de aviso que não poderia ser ignorado. Sabia que Kay não gostava de Lady Morgana. Problema dele! O decoro tinha que ser mantido da mesma forma.

"A irmã do rei será servida agora mesmo, Alteza."

"Cuidai para que em seguida lhe levem a água do banho," acrescentou Arthur.

"Devo banhá-la, também?"

Não adiantava, Kay era incapaz de segurar a língua. Era assim desde pequeno, e tomara não poucas surras de Sir Ector por conta disso. Num rompante de irritação, Arthur sussurrou-lhe entredentes, "Cuidado, Sir Kay! Ela é minha irmã! Vós, não! Respeitai-a, do contrário, minha escolha é clara!"

Kay saiu bufando de ódio. Arthur sabia que o magoara profundamente. Sim, eram irmãos, claro que eram! Foram criados juntos. Se gostavam como irmãos. Não houve nenhum período da vida de Arthur antes de Kay. Este sempre estivera lá. Já Morgana tinha o mesmo sangue que ele, mas nenhum vínculo fraternal. E Arthur vivia "esquecendo-se" desse laço sanguíneo, para despistar a culpa pelo que sentia por ela. Estava sendo hipócrita ao aludir a tal laço quando era conveniente. Mas, mais que o insulto, a imagem de Kay tocando o corpo nu de Morgana o fez querer esmurrá-lo, tal o ciúme que despertou. Sabia que sua reação fora exagerada, mas foi melhor tanger o irmão dali antes que tivesse ganas de agredi-lo caso ele prosseguisse nas gracinhas. Mais tarde pediria desculpas. Por sorte, as raivas de Kay eram passageiras.

Fato é que o irmão lhe inspirara uma ideia. Guinevere não iria mesmo passar a noite com ele — não era essa a chance por que esperava?

Vale sem RetornoOnde histórias criam vida. Descubra agora