Capítulo 05

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"Ah!Quem me dera que foras como meu irmão, que mamou aos seios de minha mãe! Quando te encontrasse lá fora, beijar-te-ia, e não me desprezariam!" – Cânticos 8:1


– Ainda bem que eu não fiz macarrão para o almoço, ou teríamos que corta-lo com uma serra elétrica. – Aurora estava visivelmente furiosa. – Oh, não! Eu fiz macarrão para o almoço. Eu fiz espaguete. Eu fiz espaguete de massa caseira. EU FIZ A PORRA DA MERDA DA MASSA QUE AGORA ESTÁ PARECENDO UM TIJOLO, PORQUE ESFRIOU E VOCÊ NÃO COMEU.

Ela não só estava furiosa, como também estava gritando e ficando vermelha. A próxima etapa seria começar a sair fumaça das suas orelhas.

Ao pensar nisso, imaginei a cena e cometi um erro fatal: Eu ri. Eu deveria saber que quando uma mulher está furiosa, rir por qualquer motivo seria um passaporte só de ida para o hospital mais próximo,pois no mesmo instante em que meus lábios se curvaram, os olhos de Aurora saltaram arregalados e seus punhos se fecharam.

– Eu.Não. Acredito. Que. Você. Está. Rindo. De. Mim. – Ela falou pausadamente, em um tom enganosamente calmo.

As veias do pescoço dela saltaram e o tom levemente avermelhado do seu rosto mudou para totalmente vermelho-roupa-do-papai-Noel. Era assustador. Como posso ter pensado que ela, aquilo ali na minha frente, poderia ser angelical? Eu não me espantaria se saíssem chifres e um rabo.

– Antes que você arranque o meu couro com algum tipo de material de tortura,posso me explicar? – Pedi, tentando soar o mais calmo e sereno possível, mesmo que por dentro eu estivesse levemente apavorado.

– Você tem exatos trinta segundos para se explicar, antes que eu comece apensar em um meio extremamente doloroso de fazer você se arrepender de ter me deixado esperando.

Com os braços cruzados sobre o peito e um pé batendo no chão ritmicamente, Aurora me lançou um olhar que dizia claramente "vou  te matar". Respirei fundo, fechei os olhos e tentei falar o mais rápido possível.

–Fuiatéomeuapartamentoparaversepodiaentrar,masestavaimpossívelentãoresolvideixarvocêtrabalharesaiparacaminhar.– Tomei um fôlego. –Acabeiparandonaigrejaemeconfessando,comoeutinhaalgunspecados,preciseipagarumapenitênciaefiqueilárezandoatéagora.

Ao terminar, não havia passado dos trinta segundos, mas estava sem fôlego.

– Pronto.– Murmurei respirando lentamente, para acalmar os pulmões.

Ao abrir os olhos, ao invés de uma Aurora furiosa, encontrei uma Aurora que ria. Ela ria descontroladamente.

– Que bom que eu te divirto. – Falei sério e caminhei em direção ao meu apartamento.

Depois de todas aquelas horas com as janelas abertas e vento circulando, o cheiro de lavanda já estava bem mais fraco e era menos insuportável.Eu nem tinha colocado minha chave sobre a mesa, quando Aurora entrou no meu apartamento.

– Miguel.Não faça eu me sentir culpada por rir de você. Foi você quem me  deu um bolo e me deixou esperando, depois de ter passado pelo menos quarenta minutos só amassando e cortando aquela massa.

– Eu não quero que você se sinta culpada. Eu entendo você por brigar comigo e me desculpo por ter esquecido o almoço, mas não foi de propósito e muito menos por um motivo frívolo. Eu apenas estava na igreja e acabei perdendo a noção do tempo, não precisava rir de mim ou das minhas crenças.

Era a minha vez de ficar irritado. Aurora era frustrante, irritante e  totalmente enlouquecedora. Em um momento ela estava espumando de raiva e no segundo seguinte estava rindo como se fosse morrer de tanto rir. Ela definitivamente não era normal e estava me enlouquecendo também. E o pior era perceber que ela conseguia me enlouquecer tão facilmente e em um espaço de tempo tão pequeno desde que nos conhecemos. Era realmente desesperador.

Miguel - (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora