fourteen

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Dean achava que independente de quantas vezes ele acariciasse a mão gélida de Castiel, o paciente nunca o perdoaria. Ecoava, em sua mente limpa de pensamentos vazios e condensada de memórias, os gritos de Castiel que ele ouvira, mesmo que vagos, na voz do paciente pela última vez antes de partir.

Se a culpa era sua? De Sammy e de Gabe? Ele gostaria de dizer que não culpava ninguém, que sabia que ninguém tinha culpa, mas particularmente ele sabia de quem era a culpa: Deus.

Não que acreditasse, a ponto de chorar lágrimas generosas pelo fato de culpar alguém que não conseguiria alcançar, mas se existia mesmo alguém lá em cima, pra que causar tanta dor a alguém com olhos tão bonitos como Castiel?

O contador de histórias queria que Castiel se livrasse da síndrome da criança maltratada. Queria que ele deslizasse para fora das suas alucinações. Queria conhecer o verdadeiro Castiel, com seu autismo e da maneira que ele deveria ser.

– Cass? – chamou em vão, sem se importar. Odiava ver Castiel com o oxigênio ligado às narinas, odiava ver aquela agulha horrenda espetada em seu braço, odiava as manchas escuras espalhadas por ele, comprovando que algumas veias estouraram, a pele pálida feito as paredes que tanto os rodearam – Eu vou te contar uma das suas histórias favoritas.

O Winchester mais velho limpou a garganta e começou a narrar uma história qualquer que lhe viera à mente. Os lábios mexiam-se no mesmo ritmo em que ele acariciava os dedos levemente arroxeados do pequeno homem com nome de anjo, os olhos estavam fechados assim como o que estava deitado, mas ele esperava ouvir uma aceleração cardíaca, esperava sentir Cass se movendo embaixo dos dedos. Estava ansioso.

Dean esperava alguma reação.

Ofereceram-lhe um punhal para que matasse o príncipe. Assim, poderia voltar a ser uma sereia. A Pequena Sereia aproximou-se da cama do príncipe com o punhal, mas não teve coragem de matá-lo e jogou a arma no mar – o ex-enfermeiro tossiu levemente - A pobre sereia, muda e sozinha, jogou-se na água, conformada em transformar-se em espuma do mar.

– Um dia... – Dean arregalou os olhos, ouvindo a voz profunda, pura e rouca soar. Os olhos procuraram as pedras azuis que eram os de Cass, mas não as encontraram. Apenas lábios rachados entreabertos soltando palavras tão bem moldadas que o contador de histórias achou que não havia insegurança – Talvez eu me torne espuma do mar.

– Não, não, não. Cass, você não vai se tornar espuma do mar. Abra os olhos, hey! – Dean levantou-se e pousou uma coxa dobrada por debaixo do corpo sobre a cama de Castiel, tomando cuidado com os aparelhos. Os olhos de Dean encheram-se de lágrimas e elas não demoraram a escorrer pelo rosto sardento – Eu rezei tanto pra isso não acontecer, anjo...

– D-desculpe-me – houve uma pausa, os olhos azuis intensos se abriram e as pupilas dilatadas tornaram-se reduzidas. Os sonhos de Dean não chegavam nem perto do que eram os olhos de Castiel de verdade, observados de perto – Por n-não ouvir-te a-as pr-preces.

Dean lembrou-se de quando estudava enfermagem e soube que os autistas levavam tudo ao pé da letra, ele ficou surpreso. Então sorriu pelas preces não ouvidas do "anjo".

– Todos precisam de uma folga, Cass – Dean levantou-se rapidamente e alcançou na poltrona o sobretudo cor-de-creme – Eu lavei, mas eu usei o meu perfume, ent-

Com a mão livre de agulhas, Castiel não deu abertura para Dean continuar falando. Ele agarrou com os dedos o tecido cor-de-creme e olhou suplicante para Dean, quase pedindo que ele soltasse.

Dean soltou.

Castiel levou o tecido na direção do rosto e inspirou o cheiro. Ficaram naquela situação durante alguns segundos, e quando o paciente abriu os olhos novamente, estavam repletos de lágrimas. Os lábios voltaram-se para baixo, como se fosse desatar um choro contínuo e sem fim naquele momento.

– Ach-achei que v-você era uma mosca – as bochechas enrubesceram, e os olhos desviaram-se na direção da janela com grades do pequeno quarto. As últimas lágrimas que estavam nos olhos de Dean escorreram e ele quase não esboçou reação pelo elogio. De fato era um elogio. O primeiro vindo espontaneamente de Cass.

Dean sabia que, não importava o que acontecesse daquele momento em diante com Castiel, todas as suas apostas estavam sobre ele. Eles eram feitos de espuma do mar, já haviam se sacrificado há tempos por quem gostavam.

Era a hora deles serem felizes.

– Todos se enganam, Cass – Dean estendeu a mão na direção de Castiel, esperando que ele a aceitasse.

Felizmente foi o que aconteceu.


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