02 - As vaginas que nasceram no meu rosto

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Esse negócio de ficar pensando bastante, mergulhado no meu mundo introspectivo, custa-me um preço exorbitante. Pouco tempo sobra-me pra executar as tarefas básicas do dia a dia, como: manter minha casa limpa, beber uma cerveja, cumprimentar o vizinho e tomar banho.


Enquanto me trocava pra ir dar uma palestra, notei que não havia uma maldita cueca limpa na gaveta. Meu lar é escuro, pois as lâmpadas queimadas não são substituídas. Comumente, praguejo, sentado no vaso sanitário, surpreendido pelo fim do estoque de rolos de papel higiênico. Uma voraz reflexão toma conta de todo o meu ser: se Deus foi deveras caprichoso a ponto de ter arquitetado um corpo humano tão perfeito, por que raios não se esmerou um pouquinho mais e deu-nos um intestino capaz de produzir fezes com uma consistência maior, excrementos emborrachados, pra não esparramar sujeira?


O que se dirá, então, de uma tarefa em tal grau complicada como fazer a barba? O quê? Não é complicada? Pode ser vexatório, mas tarefas simples pra todo mundo são intrincadas pra mim.


A minha barba é muito grossa e cresce rápido demais. Isso acabou fazendo que eu cultivasse o hábito de delegá-la a terceiros. Perdi, completamente, a habilidade com uma gilete.


Dizem que tudo em excesso não é saudável. O preceito vale, por experiência pessoal, pra dedicação às ditas coisas maiores, como: reflexão, composição e criação. E vale, também, pra ofícios mais modestos, como o de barbeiro.


Um barbeiro é um especialista muito útil. É graças a ele que eu não caio na desgraça de ter que exibir uma coleção de vaginas artificiais na minha faceta, ao meter-me a desempenhar uma arte que não domino: a perícia de manusear uma lâmina de barbear. Porém basta que um barbeiro seja, somente, um barbeiro, sem cometer o excesso de ser um barbeiro barbeiro. Barbeiro barbeiro é um barbeiro que faz barbeiragem.


Trinta e cinco ou quarenta reais é uma bagatela. Eu pagaria até cem pra que fizessem a minha barba. Se houvesse profissionais dessa ordem no mercado, pagaria até pra escovarem os meus dentes.


Aprendi, na faculdade de economia, que essa diferença entre os cem reais que eu estaria disposto a pagar pra apararem a minha barba e os trinta e cinco reais que, efetivamente, cobram-me, chama-se excedente do consumidor.


Como vejo tudo pelo lado positivo, quando pago ao meu barbeiro, não me sinto gastando trinta e cinco reais. Lembro-me do excedente do consumidor e, com isso, sinto-me ganhando sessenta e cinco (espero que o meu barbeiro não leia essa crônica). Então "mato dois politicamente corretos com um único sarcasmo": evito que o meu rostinho de bebê seja corrompido por uma gama de vulvas criadas por minhas mãos inábeis e, de modo concomitante, ganho sessenta e cinco reais! Urrú! É a típica alegria de bobo, mas... pelo menos, eu assumo.


O problema não está em remunerar pelo serviço, seja lá quanto for. A questão é o que recebo, em troca, pelo meu dinheirinho suado. É triste, no entanto, é a realidade: não importa o quanto paguemos, dificilmente encontramos um técnico capacitado, em qualquer área, que nos faça sair com a sensação de que o capital foi bem empregado.


Funcionários daqueles hotéis em que a gente sempre se hospeda – e acha que vai ser respeitado, não só pela razão de estar pagando, mas, principalmente, porque "bate cartão" lá – são mal educados.

Eu queria morar na República Tcheca e outras crônicasOnde histórias criam vida. Descubra agora