14 - Filosofias afrodisíacas para convencer mulheres

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Naquela noite de sábado, no sarau, fui convidado a declamar a minha poesia. Foi muito bom. Tudo o que saiu de dentro de mim, enquanto estava lançado no canto poeirento do quarto, pensando estar sozinho no mundo, ia ao encontro do sentimento de tanta gente. Pensamos que somos únicos e, de certo modo, somos mesmo, até certo ponto, mas é assustador quando descobrimos que sentimentos tão íntimos são comuns ao animal humano. Por um lado, é agradável porque nos sentimos mais compreendidos e menos sozinho, entretanto, por outro, é péssimo porque perdemos aquela sensação de individualidade, da qual sentimos um orgulho besta que achamos ser o elemento diferenciador dos demais pares. Não é o ser humano que não sabe o que quer, são os sentimentos que são ambíguos demais. Ao mesmo tempo que é tolice querer que o Universo funcione conforme as nossas próprias regras, as adversidades também não precisavam pegar tão pesado, não é Senhor Criador? Esse é o preço caro que se paga por ter um cérebro pensante e a dificuldade que se tem de encontrar pessoas inteligentes para compartilhá-lo. Surge, então, a necessidade de, como na física, adotar-se referenciais, sendo que adotá-los significa conformar-se com a imperfeição, pois ao se basear em certos parâmetros, deixa-se de lado elementos primorosos que compõem a essência do que somos e do que dá sentido para tudo. Temos a necessidade de ser diferente, mas nos sentimos perdidos quando parece que conseguimos alcançar esse intento. Um meio termo seria ser dessemelhante, "pero no mucho": parelho a uma minoria e díspar da minoria.


Após a última estrofe recitada vieram os aplausos. Vaidade? Claro. Se não fosse pela vaidade, não teria composto essa bosta, teria tomado cerveja mesmo. Que, aliás, é o que eu faço agora. Agora eu posso. Se eu tomasse antes, seria um relés mortal dado ao vício, mas agora eu sou um poeta aclamado e poetas aclamados podem alterar a consciência sem vulgaridade.


– Eu gostei da sua poesia.


Olhei-a de cima a baixo. Nada mal.


– Fico feliz que tenha gostado. Temia que não gostassem por não compreenderem que a personagem era o meu alter ego feminino e, muito menos, qual era o intuito da alusão à Dante Alighieri.


– Quem?


– (...)


Bem... via-se que eu estava começando a ficar chato e – digo mais – estava exigindo muito da minha interlocutora. Era uma mulher bonita, não era? Então cala-te boca. Dê-se por satisfeito. Que mania é essa de querer exigir que as mulheres bonitas sejam inteligentes também? Tem que ser o kit completo? Vai caçar sapo você também, senhor Mingau Ácido.


– Eu leio as suas poesias faz tempo, Mingau. Não imaginei que o veria em um sarau literário.


– Eu me refugio nos saraus quando o bicho pega. As relações sentimentais são complicadas.


– Ah, eu sei, você terminou o seu namoro.


– Por que todo mundo tem que saber da minha vida?


– Não sei. Talvez porque você escancare a sua intimidade escrevendo as suas crônicas em primeira pessoa, seria isso?


Acho que eu prejulguei mal a moça. Ela não era tão burra assim. E sabia provocar com ironias.

Eu queria morar na República Tcheca e outras crônicasOnde histórias criam vida. Descubra agora