08 - O dia em que as comichões me atacaram pela retaguarda

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Ainda faltavam duas horas e meia pra eu receber a resposta do Edgard sobre o horário da reunião daquela tarde. Tudo poderia acontecer. Meus passos desengonçados pela Avenida Paulista só não chamavam mais a atenção dos demais passantes porque as pessoas têm mais o que fazer. Observar um careca barbudo andando a esmo, no meio do mar de gente, não é um passatempo muito aprazível. Tanto poderia dar certo o projeto de edição do livro como não.


Em vez de ficar martirizando-me de ansiedade e reforçar a minha paranoia de olhar pro relógio de dois em dois minutos, resolvi curtir uma das atividades que mais aprecio: cinema! Não é todo mundo que pode dar-se ao luxo de pegar um cineminha em plena tarde de terça-feira. Grande coisa. Também não é todo mundo que, além de ser careca, ansioso e distraído, está sendo incomodado por um violento oxiúrus e, mesmo assim, acha que vai ter concentração pra assistir a um filme.


Resolver mais de um problema, ao mesmo tempo, dá uma sensação de alívio entusiástico. Eu poderia assistir a uma agradável película e, de quebra, coçar a minha parte íntima, no escurinho, sem passar vergonha em público. Um vexame a menos é igual a um trauma a menos pra minha coleção. Descarrego de lembranças indesejáveis no futuro. Não que eu esteja lá muito preocupado com o que pensam de mim, mas também não preciso chutar o pau da barraca. Preservar-se, de vez em quando, pode ser divertido.


A maioria daqueles estranhos nunca mais me veriam na vida e, os que me veriam, provavelmente, não se lembrariam de mim. Mesmo sabendo disso, sou um cara metido a normal. Evito ficar enfiando as mãos dentro da calça e sacolejando pra alegria de alguns e náusea de outros.


Por coincidência – ou majestosa sincronia do cosmos – lá estava eu, aproximando-me da esquina com a Rua Augusta. Nem as minhas comichões conseguiram tirar o meu contentamento por estar cada vez mais perto da minha segunda casa.


O Espaço Unibanco de cinema (acostumei-me a denominá-lo dessa forma, desde o fim dos anos noventa, e vou continuar assim o intitulando) é um dos raros locais de São Paulo que me dão a sensação de estar mandando às favas essa maníaca obsessão de cumprimento de horários e compromissos urgentes. Quase um oásis no meio desse hospício disfarçado de cidade.


Entrei pelo beco que dá acesso às duas salas menores – as minhas preferidas – e comprei um ingresso pro filme "O Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho. Na minha opinião, o melhor filme de 2013. Trinta e oito minutos até que era pouco pra esperar pela liberação da entrada à sala número quatro. Só mais dezenove espiadas no relógio, algumas requebradas pra esquerda e mais algumas pra direita pra sossegar o verme detestável, e logo estaria em pleno breu e, então, a área na qual metesse as minhas mãos só diria respeito a mim.


Olha só que loira gata! E desacompanhada! Se não fossem os invasores de nádegas, lá iria eu conversar com a beldade. Mas, hoje, não é o meu dia. Muito me darei por satisfeito se conseguir prestar atenção na tela e, é claro, se o Edgar ligar-me, mais tarde, com boas notícias sobre o livro. Ah, não! A loira não está vindo pra cá. Diga que não, por favor... Sim, ela está.


– Oi, essa é a fila pro "O som ao redor"?


– É sim, moça.


– Li boas críticas sobre esse filme. Estou com uma expectativa muito alta. – disse ela, com um sorriso convidativo.

Eu queria morar na República Tcheca e outras crônicasOnde histórias criam vida. Descubra agora