O natal estava tão perto. Acho que algumas pessoas esperavam algo mágico. Talvez que suas famílias pudessem se reunir por um dia, todos sorrindo e comendo até não aguentar mais. Você podia ganhar aquele presente especial que tanto queria ou aquele garoto da escola podia te encontrar no shopping e finalmente perceber o quanto você era bonita ou seus amigos podiam te fazer aquela surpresa que tanto esperava.
Independente do que queremos, pensamos, acho que todos nós esperávamos pelo milagre. Esse era o dia em que tudo devia acontecer. Interessante. Para falar a verdade, eu só queria que eles parassem de brigar.
-Você é uma vadia, sabia? A pior vadia que eu já conheci!
Eu podia ouvir meus pais gritando lá embaixo. Acho que até tentavam não me acordar, mas eram incapazes disso. Eu estava esperando minha mãe gritar de volta, geralmente ela chamava meu pai de um imprestável e o culpava pelos sonhos que não pode realizar.
-Seu bêbado de merda! Eu dediquei minha vida a você e você só sabe ENFIAR ESSA BUNDA NO SOFÁ!
Essa era nova. Minha mãe sempre falava do modo como meu pai não havia conquistado nada na vida ou que ele voltava com cheiro de perfume forte, mas nunca o chamava de bêbado. Ele geralmente não bebia muito, pelo menos não que eu via.
Nessas horas me lembrava da minha amiga April. Ela gostava de enfiar uma garrafa de uísque na minha mão e dizer que era assim que os problemas desapareciam.
-Ou você transa ou bebe – dizia ela com um sorriso no rosto. – Ás vezes beber é bom de mais, ás vezes até esqueço onde estou. Tem horas que eu preciso disso.
Eu precisava disso agora April, mas não tinha nenhuma garrafa por perto. Quer dizer, até tinha, mas ela já estava vazia. Em cima do meu criado-mudo, o rótulo 51 me encarava como se perguntasse se ontem a noite foi bom.
-Cala a boca. Você não sabe de nada – murmurei saindo das cobertas.
Não sabia direito que horas havia voltado. Não que havia alguém em casa me esperando. Eu podia desmaiar na sala e só ouviria um "levanta" da minha mãe na manhã seguinte, isso se ela não tivesse passado a noite revirando o armário de bebidas e estivesse jogada no quarto. Ás vezes ela tinha o habito de fazer isso, usando suas roupas chiques. Não sabia o porquê.
A garrafa no criado-mudo era uma prova de que eu podia deixar as coisas nos lugares mais óbvios e não ouviria nada. Agora que eu a olhava com minha costumeira ressaca de manhã, percebia que havia desenhado um rosto nela com caneta preta. Havia feito olhos, uma boca torta e um bigode estilo filme pornô.
Ela parecia me dar um olhar que dizia: Não é bom ter liberdade, meu amigo?
Eu a empurrei e ela acabou se quebrando toda no cesto de lixo. Nem com esse barulho eles paravam.
-Vaca!
-Idiota!
-Vagabunda!
-Desgraçado!
-Olha como fala comigo!
-Vai fazer o que? Me bater? Quero ver você tentar! Não é homem o bastante para fazer isso!
-Calem a boca, por favor – sussurrei querendo gritar. Gritar tão alto que o mundo inteiro ouvisse e eles fossem obrigados a calar a boca. Era tudo que eu queria de verdade, que eles ficassem quietos. Será que era pedir demais?
Mas o mundo não liga para o que você quer e eles não iriam parar, continuariam até que alguém resolvesse sair de casa. Eu sabia que havia acabado quando ouvisse a porta bater com força. Talvez meu pai fosse ver a amante dele ou minha mãe fosse dar uma passada no vizinho. Não, eles estariam com suas famílias. Hoje eles não teriam ninguém para correr.
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O Dia Antes do Natal
Short StoryPara muitos o natal é uma época mágica, para Peter é só mais um dia para seus pais brigarem. Cansado de conviver com seus gritos, o garoto decide fugir para o único lugar desolado nessa época do ano onde ele sabe que terá paz: A escola. Mas as pesso...