Capítulo 3

189 33 26
                                    

Tudo foi tão repentino que senti meu coração martelar. A garota ao meu lado ficou tensa, os dedos remexendo os cacos de vidro quase se cortando.

Eu corri em direção as portas, praticamente saltando os degraus. As dobradiças pareciam que haviam emperrado com o impacto, foi quase impossível faze-las ceder – principalmente no estado em que eu estava.

-Alo. Tem alguém ai? – disse quando finalmente consegui que elas cedessem, o barulho que fez foi como um arranhão na minha cabeça.

Ouvi um silêncio. Ninguém respondeu. Será que alguém havia batido as portas com toda a força e simplesmente sumido? Isso tinha cara de ser uma pegadinha. Se fosse algum faxineiro, professor. Ou qualquer um que trabalhasse aqui. Ele teria preferido puxar nossas orelhas.

April aplaudiria de pé a pessoa e dividiria uma cerveja. "Adoro boas travessuras" ela provavelmente diria. Eu não estava com humor para isso. Mais um idiota que eu tinha que me preocupar.

Infelizmente, não sentia que havia sido uma pegadinha.

A garota bufou atrás de mim.

-Isso é uma idiotice. Eu vou para outro lugar – e começou a recolher suas coisas – pode ficar com o refeitório. A comida daqui é ruim mesmo.

Ela desceu os degraus em disparada.

-Espere... Você não pode...

Mas ela já havia cruzado o corredor e eu precisei apressar o passo para alcança-la. Porque ela estava me fazendo correr? Eu ia acabar vomitando.

-Você quer parar de correr por um minuto...

Tentei segura-la, mas ela me afastou.

-Tente algo e prometo que vou gritar o mais alto possível.

Gritar o mais alto possível? O que ela estava pensando? Quer saber, era melhor não saber. Eu me afastei, erguendo as duas mãos.

-Eu só... Apenas para por um minuto.

-Por quê? Olha, eu não estou a fim de ficar presa com alguém que nem conheço. Fique do seu lado da escola que eu fico do meu – ela falava de um jeito sério e irritado, como se eu estivesse ameaçando quebrar uma regrar importante.

Aquela garota ficava mais estranha a cada segundo. Se bem que eu não sabia direito porque estava fazendo tudo aquilo.

-Acho que isso seria melhor mesmo, princesa. Só não venha me procurar quando alguém fizer mais alguma brincadeira.

Ela não pareceu ter se irritado – bem, não muito – me deu o resto de suas moedas e cruzou o corredor. Ouvi o som de suas botas pelo carpete até que desapareceram. De repente, eu estava como havia começando. Sozinho.

-Bem, acho que somos só eu e vocês – disse para os rostos dos presidentes que me encaravam das superfícies metálicas. Eles pareciam dizer: "Me gaste. Peter. Me gaste em guloseimas deliciosas".

Foi exatamente o que eu fiz. Gastei todas as moedas na maquina, uma coisa não muito inteligente de se fazer. Não pensei se acordaria com fome amanhã ou se, afinal de contas, eu iria começar minha vida como um rebelde que vivia pelas próprias regras. O barulho que os presidentes faziam me distaria e eu percebi que não queria pensar em mais nada. Não queria imaginar quem estava aqui dentro ou me esperando lá fora.

Queria pensar que não existia nada além dessas paredes, que tudo havia se transformado em neve. Até que não era uma ideia ruim. O mundo ficaria livre da gororoba da minha mãe. Um presente de uma noite dos Deuses da Neve por sempre ser cuidadoso na hora de me masturbar e não deixar nenhum respingo, porque isso podia ser nojento.

Claro que nem todos tinham que virar flocos de neve.

Eu peguei todos os salgadinhos e doces e fiz minha própria ceia, deixando as Coca-Colas lado a lado até que dessem a volta por mim. Tinha feito um bom trabalho com apenas uns lençóis velhos. Melhor do que qualquer cosia que minha mãe fazia em casa.

Mais que merda, devia me dar um tapa só por isso ser verdade. Talvez até usar aquelas coisas mais pesadas que a April usava.

-Isso vai fazer você se sentir bem.

-Não quero.

-Não confia em mim, Pete? – perguntou ela com aquele sorriso delicioso.

-Eu confio, mas não estou preparado para isso.

-Eu entendo. Você é fofo. Não quero que perca isso. Deixe para os mais velhos.

Seria tão bom se só houvesse nós dois e ninguém mais. Nenhum idiota para roubar a atenção dela. Só ela e mais ninguém. Talvez chegando por trás e mordendo meu pescoço.

Imagina-la fazendo isso era bom, ainda mais nesse frio. Havia ficado mais gelado do nada ou era impressão minha? Teria que pegar algum lençol nos fundos se quisesse me aquecer.

Uma rajada de vento bateu nas janelas quando meu dedo bateu em algo. Era um dos cacos de vidro daquela menina. Eu o peguei, tentando entender oque havia de tão importante numa coisa dessas.

Foi quando o deixei se espatifar em pedaços no momento que percebi que parecia haver um olho me observando do outro lado.



O Dia Antes do NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora