Capítulo 7

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Lá dentro estava tão frio que não sabia como aquela garotinha estava aguentando. Ela usava apenas um vestido rasgado e sem mangas que deixava seus tornozelos expostos às lufadas de vento. Não havia nada cobrindo seus pês. Nenhum par de botas ou se quer meias.

Eu me movi para cobri-la com meu lençol, mas logo parei quando vi o modo como ela me olhava. Como se estivesse tão confortável quanto alguém poderia estar.

-Eu também quis cobri-la na primeira vez que ela apareceu para mim, depois do... você sabe.

Não, eu não sabia. Nunca havia visto aquela garotinha em toda a minha vida. Se bem que tinha pensado a mesma coisa em relação à Anna. Ela podia ser a irmã dela que eu só vira uma ou duas vezes.

Anna se aproximou da garotinha e sua careta sumiu quando ela pós sua mão quente em seu ombro nu. Só agora eu percebia que ela me olhava como se eu não pertencesse aquele lugar, e talvez ela estivesse certa.

Eu tirei o vidro do meu bolso e o olhar dela voltou a surgir, só que não havia escuridão, apenas as cadeiras e lousas da sala de aula.

-Ela é um pouco tímida. Não fala com ninguém há anos. Apenas comigo – Anna a envolveu num abraço e a garotinha a envolveu com seus braços pequeninos e um sorriso no rosto.

Fiquei olhando as duas, tentando não deixar o frio prejudicar meu julgamento. Queria provar para mim mesmo que, nesse momento, eu estava lúcido.

-Quem é ela, Anna?

Anna se afastou do abraço e se voltou para mim, algo que irritou a garotinha e me fez engolir em seco.

-Desculpe – Ela limpou algo dos cílios. – É que nunca tem ninguém por perto. Acho que eu devia apresenta-los. Rebecca esse é o Peter.

Ela olhou para mim sem esboçar um sorrio. Parecia estar se decidindo o que havia comigo. Aquele rosto não me era estranho. Será que eu já havia visto em um sonho? Alucinação? Era bem provável que estivesse tendo uma agora. Eu fecharia os olhos e quando acordasse estaria jogado nos corredores com uma garrafa jogada de vodca nas mãos.

Mas isso não aconteceu e a garotinha continuou me testando.

-Você não deve se lembrar dela – continuou Anna se sentando em cima da mesa do professor, a voz fraca, não por causa do que havia acontecido, mas sim pelo frio que preenchia todo o espaço. – Tudo bem. Foi há tanto tempo que até eu esqueço ás vezes.

A garotinha pareceu não ter gostado do comentário.

-O que foi há tanto tempo – perguntei?

Alguma cosia estava martelando minha cabeça, tentando me forçar a lembrar. Anna deixou que os restos das lágrimas caíssem.

-Você não lembra? Estava em todos os jornais. Todos falavam da menininha que saiu de casa na véspera de natal para brincar e acabou se afogando no lago.

Minha memória voltou como uma batida de uma marreta. Agora eu me lembrava! A escola havia entrado num recesso. Os pais estavam inconformados, tantos choravam nos corredores.

Eu era muito pequeno para saber direito o que estava acontecendo, mas o assunto sempre era trazido à tona no decorrer dos anos. Era impossível esquecer. Alguns alunos até já fizeram trabalhos envolvendo o incidente para poder falar um pouco sobre segurança e cautela nos dias de neve. Aquele tipo de baboseira que os professores nos forçavam a falar.

Anna esperou que eu dissesse alguma coisa.

-Não vai falar nada? Eu sempre imaginei que alguém fosse ter um ataque.

O Dia Antes do NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora