Capítulo 2

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Invadir a escola não foi tão difícil. Eu até me surpreendi em quão fácil foi abrir aquele cadeado, podia me sentir um espião por um dia. Daí eu pensei: "É uma escola". Só tinha livros velhos e cadeiras desconfortáveis lá dentro e não planos terroristas para explodir a cidade.

Pelo menos lá estava quente. As paredes eram bem grossas e eu pude parar de tremer um pouco. Mesmo sem calefação aquele lugar ainda era quentinho. Eu andei silencioso pelos corredores, segurando bem a mochila para que as latas de Coca-Cola não me denunciassem, procurando alguma outra alma viva. Mas no final, eu estava certo. Não havia ninguém. Todos os funcionários haviam sido dispensados para passar o feriado com suas famílias, não havia nem mesmo sinal de algum faxineiro perdido.

Aqui era mesmo o único lugar que eu podia ir sem que ninguém fosse me questionar ou incomodar. Joguei minha mochila no chão e a usei como travesseiro enquanto abria uma lata. Por alguma razão eu gostava de beber Coca- Cola quando estava de ressaca. Eu sei, era estranho. Se sintam há vontade para me julgar. Não estava em condições para dizer o contrário.

Fiquei um tempo apenas ouvindo o som da minha respiração e dos goles que dava na bebida quente. Quanto tempo será que eu ficaria aqui? Não era tão ruim assim. Até que era gostoso poder só descansar a cabeça sabendo que ninguém estava gritando no outro cômodo. Eu podia me acostumar com isso.

Mas uma hora sabia que teria que voltar. Não tinha como ficar aqui para sempre. Se bem que eu vinha aqui quase todos os dias, estudava aqui, ninguém iria estranhar em me ver aqui o tempo todo.

Infelizmente, uma hora meus pais iriam se perguntar onde estava o filho idiota deles e ligariam para a escola. Ou talvez não. Será que eles iriam reparar se eu não voltasse mais e, mais importante, será que eu queria que eles reparassem?

"Pensamentos mórbidos hoje não." Eu terminei o resto da Coca-Cola e me encaminhei para a máquina de doces. Afinal de contas, se você não tinha sexo e bebidas você ainda podia se divertir com chocolate.

Eu estava quase no refeitório quando ouvi um barulho.

-Merda – disse alguém.

Eu parei no mesmo instante, como se alguém tivesse me pego roubando um banco. A voz vinha do corredor ao lado. Eu espiei de relance, tomando todo o cuidado para deixar meu corpo escondido. Se fosse algum zelador que estava terminando o turno ainda podia me safar.

Uma garota estava em frente à entrada do refeitório, ajoelhada, enquanto recolhia o que parecia ser cacos de vido.

-Mas que merda. Como sou idiota.

Ela parecia desesperada. Recolhia os cacos de cima dos degraus como se tivesse feito à coisa mais idiota do mundo.

Acho que podia me identificar com isso. Estava prestes a sair quando uma das latas caiu da mochila, denunciando minha posição. Não deu tempo nem de me esconder, ela já havia colocado os olhos em mim.

-O que você está fazendo aqui? – perguntou ela.

-O que você está fazendo aqui? – devolvi a pergunta.

Não deve ter sido muito inteligente devolver a pergunta por que ela ficou mais brava

-Eu perguntei primeiro. Ninguém vem aqui na véspera de natal – continuou ela –, geralmente as pessoas estão ocupadas demais em casa para passar um dia nesses corredores mórbidos.

-Então porque você está aqui?

Ficar devolvendo as perguntas não nos faria ir a lugar algum, no entanto, não estava a fim de ceder. Queria mais que ela sumisse para que eu pudesse voltar à minha paz.

O Dia Antes do NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora