Capítulo 8

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-Você está louca! – esbravejei saindo do efeito que aquele mundo de neve trazia.

A garotinha não gostou do meu tom de voz. Ela ergueu a mão como se estivesse prestes a dar um fim a minha curta vida.

-Porque isso é loucura? – Anna ergueu a mão. Um gesto defensivo que acabou contendo a garotinha. Aparentemente era só isso que ela precisava. – Você mesmo disse que queria fugir.

-Não assim... Não desse jeito.

-Porque não? – o seu queixo tremia

-Porque não? – as palavras praticamente voavam de mim. – O fato de eu ter que te explicar isso, mostra que existe algo de errado com você.

-Você quer dizer errado com nós.

-Eu não sou como você – disse afastando a neve que se amontoava em mim. O show de luzes havia desaparecido e ela estava tão grudenta. – Não sei o que eu estava pensando quando disse aquilo, mas...

-Você estava pensando que viu a si mesmo quando revelei quem eu era de verdade – disse Anna de um jeito suave e revelador.

-Você está falando em se matar, Anna.

-Não, Peter. – Ela balançou a cabeça. – Eu nunca falei isso. Nunca falei em simplesmente cortar os pulsos. Isso é apenas a consequência. Eu estou falando em acabar com a dor. Em nunca mais ter que acordar com um peso gigante no peito te sufocando. Não te deixando nem dormir.

O peso em meu peito reagiu as suas palavras, como se alguém o tivesse chamado. No momento em que pisei na escola, ele começou a brincar comigo. Fazendo-me se jogar e não ver mais nada. Geralmente ele vinha quando eu estava trancado no meu quarto, fingindo que não conseguia ouvi-los gritando um com o outro. Desejando que nunca tivessem se conhecido. Ele gostava de queimar o meu peito e eu só conseguia pensar em jogar mais uma dose goela abaixo e arranhar meus ouvidos com os fones no último volume.

Nada os calava. Nada o calava. Todos pareciam brigar pela minha atenção em momentos que eu só queria paz. Agora ele estava impossível.

Como eu queria uma garrafa para poder cala-lo. Esse peso idiota.

Anna continuava me olhando, esperando uma resposta.

-Você não pode estar falando sério, Anna. Jogar tudo que você tem fora – disse tentando não encara-la.

Dessa vez ela soltou uma gargalhada.

-O que eu tenho? Ou melhor, dizendo: O que você tem de tão bom, Peter?

-Eu...

Não consegui responder, a resposta ficou entalada junto com o peso.

-Foi o que eu pensei. – Seu sorriso começou a ficar tão triste. – Você é igual ao que todos falam. Nem um pouco diferente. Não tem nada ou ninguém o mantendo aqui.

-April...

-Ela não dá a mínima para você! – rebateu Anna. – Você podia desaparecer que ela nem notaria. Provavelmente se perguntaria onde você estaria e depois voltaria a tirar a calça de algum idiota, como se você nunca tivesse existido.

Eu queria manda-la calar a boca. Ela estava fazendo exatamente o que havia tanto se arrependido de fazer. Jogando a droga da minha vida na minha cara. Eu sabia que ela não estava mentindo, que tudo, não importasse o quão doloroso fosse, era o que eu tinha que conviver todos os dias com uma garrafa na mão.

No final, eu podia ser resumido como um garoto perturbado, sua garrafa de estimação e uma garota que só via a si mesmo quando olhava para o espelho.

O Dia Antes do NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora