Capítulo 4

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A primeira coisa que pensei foi que, finalmente, a bebida havia arruinado o meu cérebro. Quando consegui me acalmar pude organizar meus pensamos.

O caco de vidro havia se partido em pedaços pequenos. Eu encarava meu próprio reflexo varias vezes. Um rosto pálido, um pouco tremulo, por causa do frio, mas não havia nenhuma aparição. Nada de anormal, somente eu.

Será que havia imaginado tudo? Não seria a primeira vez que pirava. Mas eu não estava tão bêbado assim, já conseguia me mexer sem que o mundo resolvesse brincar de montanha russa comigo.

E aquele olhar parecia real demais.

Estaria pensando melhor se não estivesse tão frio. A temperatura havia caído do nada, nem mesmo o lençol que havia pegado da cozinha conseguia me ajudar. O vento fazia as vidraças de plástico das janelas dançarem com a força ganhou. Parecia que meu desejo havia se realizado e o mundo estava se acabando e eu só conseguia olhar, sem saber o que sentir.

Peguei todas as minhas tranqueiras, latas de Coca-Cola, guloseimas, até os pedaços do caco de vidro, e enfiei na mochila. Sai apressado do refeitório, procurando desesperadamente um lugar quente para me esconder. O calor até tinha voltado agora que não estava mais lá, mas isso não durou muito. O frio parecia estar me seguindo pelo corredor. As paredes estavam geladas e eu não conseguia aquecer os músculos.

Tirei o maior pedaço de vidro do bolso, esperando ver aquele olho me encarando. Não havia ninguém mais ao redor. Eu não conseguia ouvir ninguém. Parecia que aquela menina e aquele garoto idiota haviam sumido do nada.

Se era isso que eu queria, então porque meu peito estava apertado?

-Respire fundo – disse para mim mesmo enquanto continuava.

Eu estava imaginando coisas. Eu fazia isso o tempo todo quando acordava depois de uma noite de festa, não gosta nem de abrir os olhos porque tudo ganhava formas.

Imagina então se começasse a experimentar as coisas que a April me oferecia? Aí que ia começar a ver dragões e sereias e tentar voar. Até que não parecia algo ruim. Fui para o vestiário masculino e vesti um casaco e umas luvas de lã que algum garoto deve ter esquecido.

"Assim estava melhor" pensei.

Agora eu até podia sentir os meus dedos, só não queria ter essa sensação de que estava sendo observado. Fechei os olhos, tentando me forçar a voltar à realidade. Embora eu soubesse que talvez fosse melhor me entregar, seria bom ser levado para um lugar distante.

Acabei apertando tanto o caco de vidro que me cortei. Ele agora não me mostrava mais um olho e sim um lugar pouco iluminado, pingos brancos, que eu imaginei ser neve, caindo.

Foi então que ouvi um barulho.

-Alo! – chamei saindo do vestiário, dessa vez querendo desesperadamente outra alma viva por perto.

Era a garota. Ela estava toda suja, como se tivesse brincado na neve, embora não parecesse estar com frio.

-Você de novo? Não pedi para você ficar do seu lado?

Ela falava como se tivesse algo preso na garganta. Os óculos estavam tortos e a calça havia rasgada no tornozelo. Agora que a olhava melhor, ela parecia exausta.

Mostrei o pedaço de vidro e ela arregalou os olhos.

-Me dá isso agora.

-O que é isso?

-Não é da sua conta! – ela pareceu ter soltado o que estava preso. – Agora me de isso e dá o fora.

-Não.

Ela ficou tensa.

-Por favor, sai daqui.

Do que ela tinha medo? Não, isso não era medo. Era outra coisa que eu não conseguia identificar, no entanto, era familiar.

Então eu ouvi outra voz, bem fraquinha, mas que parecia estar vindo de todos os cantos.

Ele não é como nós.

O armário de troféus desabou sobre mim.


O Dia Antes do NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora