Capítulo II - Todo mundo é muita gente (ou o dilema de Elisa)

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- Você não tem que dar satisfação da tua vida. Pra nin-guém!

- Eu sei, mas vão perguntar. Ninguém some do mundo por dias e volta como se nada tivesse acontecido.

- Clark Kent sumiu por 5 anos e o povo parecia estar pouco se fodendo quando ele voltou.

- Quem?

- Clark Kent. O Super-Homem. Assistiu Superman O Retorno? A tal da Louis Lane ganhou até um Pulitzer por dizer por que o mundo não precisava do Superman, lembra?

- Ah, sim, mas vamos considerar um fator bem importante nisso tudo? Superman é um filme, feito por um roteirista. Ele poderia ter sumido na Era dos Dinossauros e quando retornasse tudo estaria como o roteirista acha que deveria estar.

- É isso que quero dizer: Você faz o roteiro. Você vai se afastar para um tratamento, não por uma viagem ao teu planeta natal. É um tratamento. Assim como alguém pode se internar por diabetes, leucemia, gripe ou fratura por acidente de trânsito, você vai se tratar. Põe isso na tua cabeça.

- E quando eu voltar todo mundo vai me colocar hashtag #Aloka!

- Ah, sem drama. "Todo mundo" é muita gente. E, pensa comigo: onde está "todo mundo" quando você está mal? Por que dar chance para que essas mesmas pessoas interfiram no teu tratamento? Algo que vai fazer bem?

- Não sei se vai ser bom...

- Pelo menos é aprovado pela Associação Brasileira de Psiquiatria, o Conselho Regional de Medicina, o Ministério da Saú...

- Eu entendi! Sei disso. Mas falar é bem fácil. Me diz: quantas pessoas das quais você conhece se internaram por depressão?

- A Débora teve depressão ano passado; a Andreia, do RH. O Maurício, do pilates, a professora da Carol, o...

- OK. Mas QUANTAS dessas se internaram por depressão?

- A pergunta certa é QUANTAS dessas realmente PRECISARAM se internar?

- Que seja. Me diz QUANTAS?

- Nenhuma.

- Pois é...

- Pois é o quê? Com exceção do Maurício, do pilates, todos tiveram acompanhamento médico. Se o médico achou que não era necessário, não internou. Até porque, talvez algum deles até precisou mas ficou que nem tu, com medo do que os outros iriam dizer e retardaram o tratamento. Entende a diferença?

- Minha mãe.

- O que tem ela?

- Imagina ela saber que o médico quer me internar!

- Que bom que é um médico, né, Elisa! pior seria se fosse um pai de santo. E de mais a mais ela sabe que Você está diferente. Que está doente. Precisa de tratamento e se o caminho for esse, certo que vai te apoiar.

- Não temos carro. Pensa na coitada pegando trocentos ônibus pra ir me visitar.

- Pelo amor de Deus! Daqui há pouco Você vai consultar o serviço de meteorologia pra ver se tem condições climáticas para a tua internação. Se não quer ir, não vai. Mas, conversa com o teu médico o ...

- Ricardo.

- Não era Lauri?

- Sim. Mas Ricardo é o médico que vai me atender se eu for pra clínica. Já me informei.

- Nome de rei.

- Nome de palhaço Bozo.

- Esse era Luiz Ricardo.

- Que seja... vou pensar. Tenho até terça para decidir. Se eu disser "sim", me internam na quarta.

- Se disser "não", é uma idiota. Você não tem nada a perder, Elisa. Nada.

- Falar é fácil.

- Se tratar também. E depois, vá que o médico seja gato?

- Gato... sei.

- Às vezes o Universo compensa certos esforços.

- Acho que é por isso que eu gosto tanto de ti.

- Não. Você gosta de mim porque eu vou te pagar um sorvete agora.

- Pode ser. Tá valendo.






Histórias de Consultório - Os pacientes de RicardoOnde histórias criam vida. Descubra agora