Dia 4

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Acabou que o que o velho necromante estava pesquisando era sobre variantes de esqueletos.

Ao que parece era possível se criar uma a partir de processos bem antigos. E ele tinha passado a noite inteira tentando decifrar o livro que continha eles, alem de fazer alguns testes para ver se a mistura realmente não iria explodir.

Eu sinceramente não confio muito nesse velho solitário, mas como ele veio tão animado e passou a noite em claro para conseguir isso, vou dar meu voto de confiança.

E tem o detalhe de que eu estou sendo obrigado a fazer esse teste. Afinal, essa é uma das funções de um esqueleto.

Ele me levou até uma das salas que havia no segundo andar. A mesma sala de onde fui criado.

Ainda haviam as mesmas mesas com livros espalhadas pela sala. Na verdade, eu vi livros espalhados pela casa inteira dele.

Alem de solitário esse necromante é uma traça de livros?

Considerando o que vi até agora, posso dizer ao menos isso dele.

Na sala havia um tipo de mesa que podia se reclinar, que foi onde ele me criou a partir dos ossos de um morto qualquer.

Pensando bem, eu deveria agradecer por essa pessoa ter morrido, não?

Afinal, se ele não tivesse 64 esqueletos, nada garante que eu estaria aqui. Por esse motivo, eu juntei minhas mãos e fiz uma oração silenciosa para a pessoa que morreu e me emprestou seus ossos.

Ao ver essa cena, o velho levantou uma sobrancelha, mas logo deixou passar enquanto me sinalizava para deitar na mesa.

Depois de me deitar, vi ele buscado uma ferramenta de uma das mesas. Ela se parecia com um tipo de cinzel.

Com essa ferramenta, ele começou a raspar os meus ossos e desenhar algumas linhas e símbolos.

Como sou um morto-vivo agora, não senti dor, mas ainda senti uma sensação de desconforto quando ele fez aquilo.

Era como se o vento estivesse fazendo cocegas pelo meu corpo e ao mesmo tempo deixando um formigamento extremamente incomodo.

Quando ele terminou de cravar coisas pelos meus ossos com o cinzel, eu achei que já tinha acabado, e soltaria um suspiro aliviado se pudesse.

Mas isso não era o fim nem de longe.

Ele voltou um tempo depois carregando os resultados de seus esforços noturnos no dia anterior. Um balde cheio de um liquido que só consegui ver por um instante.

Ele tinha uma estranha coloração avermelhada escura.

O velho retirou um pouco usando uma ferramenta estranha, parecida com uma colher só que mais profunda.

O liquido vermelho tinha uma textura viscosa e escorreu aos poucos como mel em direção a um dos desenhos que ele tinha feito em mim.

Mas não foi como meu que ele pareceu quando tocou meus ossos.

Assim que o liquido entrou no desenho gravado no meu braço esquerdo, senti uma dor tão forte, que achei que meu braço iria se partir em dois ali mesmo.

Era como se estivessem derramando ferro fundido no meu braço de carne e osso. Mas o braço que eu tinha agora não era de carne e osso. Era somente de ossos.

Como eu sou um morto-vivo, eu não deveria sentir dor física, mas como eu tenho uma alma humana em mim, só havia uma explicação para a dor que eu estava sentindo.

Aquele liquido era capaz de ferir a própria alma das coisas que tocava.

A pior parte é que só uma das marcas causou esse nível de dor, e ainda haviam cerca de 30 ou algo assim sobrando por todo o meu corpo.

Ele foi derramando em uma por uma das marcas enquanto eu agonizava internamente e meu corpo de esqueleto permanecia imóvel.

No final, eu consegui superar a dor do processo. Embora eu esteja exausto mentalmente agora.

O velho possuía um sorriso de orelha a orelha enquanto me observava com as marcas tingidas de vermelho por todos os meus ossos.

Parando pra pensar, por que ele tinha feito isso mesmo?

A resposta veio logo em seguida, quando ele me pediu para tentar falar. Para minha surpresa, as palavras realmente saíram da minha boca.

"Me... deixa... dormir..."

E depois disso eu apaguei.



Hone no gyokuzaOnde histórias criam vida. Descubra agora