Capítulo 3 - Primeira noite

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Nosso jantar foi praticamente em silêncio. Apenas diálogos necessários como : " Me passe a salada " ou " pegue a jarra de suco para mim, por favor " . Melanie estava com uma cara horrível, não parecia ter tido um sono tranquilo. Encarei minha torta de carne sem apetite e me levantei da mesa.

- Vou me deitar... - Mamãe me olhou com um olhar cansado.

- Ok querido, depois levo seus remédios. - Coloquei meu prato na pia e Melanie também se levantou.

- Também já vou. - Ela deixou o prato e copo sem serem mexidos e foi em direção a escada, me apressei para alcança-lá.

- Você foi lá fora depois que chegamos? - Perguntei enquanto subiamos.

- Não. - Ela respondeu simplesmente ainda subindo lentamente na minha frente. Chegamos no corredor e ela se virou em direção à seu quarto.

- Espere! - Ela parou mas não se virou. - Amanhã a gente podia ir patinar no lago, o que acha? - Ela lentamente me olhou por cima do ombro.

- Vou pensar. - E andou até seu quarto.

Me deitei na cama e encarei o teto. Estava preocupado com Melanie. E também comigo. Desde a morte de nosso pai nós nunca mais tivemos nossa mente sã. Melanie ficou depressiva por um longo tempo, e a depressão havia deixado seqüelas permanentes, ela nunca mais foi a garota alegre e otimista que era antes de nossa perca. E eu, bem, as alucinações começaram na noite em que soubemos do acidente, mamãe me levou a vários terapeutas e psiquiatras depois que por causa de uma de minhas alucinações frequentes, cai da escada e quebrei um braço. Passei a tomar fortes remédios que meio que serviam para " normalizar " minha mente e melhor distinguir o real e o irreal, sem contar os medicamentos para insônia. Mas Melanie de certa forma foi mais prejudicada, afinal não mudei tanto minha personalidade como ela.

- Sebastian? - Minha colocou a cabeça para dentro do quarto.

- Pode entrar. - Me sentei, ela se sentou ao meu lado e colocou a bandeja de remédios no criado-mudo.

- Como você está? - Ela acariciou minha testa e subiu para minha cabeça passando a mão em meu cabelo, como sempre fazia quando estava preocupada comigo.

- Bem... Só acho que esse primeiro dia não foi muito bom. - Ela me entregou o copo de água e os dois primeiros comprimidos.

- Vai ficar melhor, eu espero.

- Sim, vou fazer ficar melhor. Papai gostaria que fosse assim. - Engoli os dois e bebi a água em dois goles.

- Ele gostaria sim... - Ela sorriu. - O que pretende fazer amanhã?

- Convidei Melanie para patinar no lago, levaria Coraline comigo mas o pé dela ainda é pequenos demais para os patins. - Rimos e ela beijou minha testa.

- Com certeza vocês dois vão se divertir muito. Durma bem, filho.

Esperei a porta se fechar para engolir o último comprimido e bebi o leite quente. Me deitei de lado encarando a janela e esperando o efeito do calmante. Em poucos minutos já estava dormindo profundamente. Como sempre, tive sonhos sem sentido algum. Uma cadeira de balanço no meio de uma floresta, um pato em um lago, um lustre balançando, e uma taça com vinho caindo no chão e se espatifando. Cenas aleatórias vindo em sequência. Acordei com um barulho na janela, um pássaro bicando o vidro. Me virei para o outro lado e tentei voltar a dormir. " BIC, BIC, BIC ", me levantei nervoso andei com passos firmes até a janela, dei um tapa de leve no vidro e o pássaro voou para longe.

- Isso, vá embora! - Me virei para voltar para a cama e involuntariamente passei os olhos pelo quarto, meu olhar se voltou para trás do armário, havia algo lá, uma menina.

Esfreguei os olhos e ela não sumiu, pelo contrário deu um passo para frente e se tornou mais visível. Ela usava um vestido requintado e cheio de detalhes, meias na altura dos joelhos e botas totalmente sujas de lama, seu rosto estava tampado pelos cabelos, negros e na altura dos ombros. Não era Melanie. Não poderia ser. Dei dois passos para trás e fiquei agarrado a parede. " É só sua imaginação! ", repetia para mim mesmo, " ela não é real, deite na sua cama e esqueça o que sua mente criou, é tudo sua imaginação. " .

Tentei me mover, minhas pernas travaram, olhei para baixo e fechei os olhos. Andei cuidadosamente até minha cama e pulei jogando meu cobertor por cima de mim e caindo deitado e ofegante. " Minha imaginação, só minha imaginação. " .

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