Capítulo 9 - Desespero

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          Acordei na cama de meu quarto, tentei me levantar mas não consegui mover nenhum músculo de meu corpo, apenas meus globos oculares, porém não conseguia fechar minhas pálpebras. Estava deitado de barriga para cima, meu quarto estava escuro mas a porta que dá no corredor estava escancarada, o que eu nunca a deixo. Fiz de tudo para tentar me mover, mas não conseguia. Desde o inicio de meus problemas psiquiátricos, só havia tido episódios de paralisia três vezes, elas duraram aproximadamente de quinze a trinta minutos. E em todas elas, fui tomado pelo desespero, mas não conseguia me mover e nem dizer uma só palavra. Felizmente nenhuma foi acompanhada por alucinações, mas não tive a mesma sorte dessa vez. O pior, é que posso jurar que aquilo não foi apenas uma alucinação. Fiquei em torno de cinco minutos rodeando o quarto com os olhos, até que meus globos travaram bem em vista a porta.

          No princípio estava tudo normal, até que vultos começaram a irem e virem pelo corredor. Depois sombras começaram a se embrenhar para dentro do quarto. Então... Imagens corridas, minha mãe passando correndo com Coraline nos braços, vultos a seguiram, e Melanie, vestida do jeito que eu havia a visto no sanatório surgiu, ela andava lentamente, encarava o corredor a frente, e então parou. E se virou para mim. Ouvi novamente aquele chiado e meus olhos se fecharam.

          Acordei e dei um salto da cama, estava ensopado de suor e meu corpo todo tremia. A porta estava aberta. Corri até o quarto de minha mãe. A cama estava vazia e desarrumada. Corri até o quarto de Coraline, sua cama também estava vazia e sua pelúcia favorita estava caída no chão. Fui desesperado ao quarto de Melanie. A cama estava perfeitamente arrumada. E no assoalho do quarto havia um circulo com uma estrela no centro, como o do sanatório, só que esse foi desenhado com cinzas. Desci as escadas e procurei por elas por toda a casa. Nada, nenhum sinal. Fui até o vestíbulo e a porta da frente estava trancada. Encostei minha testa na porta e comecei a bater minha cabeça na madeira. Me virei com raiva e subi na mesa de centro.

          - O que esta havendo aqui! - Gritei. - Quem são vocês!? O que fizeram com minha irmã!? O que querem da minha familia!? - Esbravejei, e no mesmo instante em que disse isso, uma sombra passou ao meu lado, me desequilíbrei e cai no tapete da sala. Olhei ao redor confuso. De relance vi uma sombra terminando de subir as escadas. Sim, foi idiota, foi burrice, mas agora se tratava de minha mãe e de minhas duas irmãs, seja lá o que fosse aquilo, eu não deixaria que as machucasse. Me levantei e corri até as escadas, subi os degraus de dois em dois e corri pelo corredor, o único lugar que ainda não havia ido era o sótão. A escada retrátil que levava até ele estava aberta, subi e dei de cara com a pior cena que já testemunhei em toda minha vida. Minha mãe. Minha linda e tão amorosa mãe. Estava amarrada pelo pescoço a uma corda presa ao teto, que a pendurava a poucos centímetros do chão, seu corpo balançava lentamente e seus membros estavam moles, uma linha de sangue escorria por sua boca e seus olhos, já sem vida, encaravam o nada.

          Tentei gritar, mas minha voz não saiu, ficou entalada na garganta, junto com todos os outros gritos que eu não havia soltado. Comecei a soluçar enquanto as lágrimas molhavam meu rosto. Me afastei dela, e só então ouvi vozes vindo do fundo do sótão. Enxuguei meu rosto em minha manga e andei até lá, me escondi atrás de algumas caixas e vi Coraline e Melanie sentadas já beirada da única janela do sótão, e ela estava totalmente aberta, o que me deixou apreensivo.

          - Onde está mamãe? - Coraline perguntou.
          - Ela está lá atrás arrumando as coisas, não a atrapalhe.

          - E Sebastian? - Melanie olhou por cima do ombro e tive que me abaixar.

          - Em breve ele virá. Agora sente-se ali enquanto ajudo nossa mãe. - Ela ajudou Coraline a se sentar em uma cadeira de balanço que estava pendurada apenas por uma corda ao telhado.

          - Mas é muito alto... - Coraline a olhou assustada.

          - Fique tranquila, esta bem amarrado. Não saia daí. - Ela fechou a janela com Coraline lá fora e andou até nossa mãe.

          - Está quase pronto. - Ela disse como se estivesse falando com alguém. Não pude conter minha raiva e curiosidade, andei até ela e a segurei pelos braços, a virando para mim.

          - O que você fez?! - Gritei.

          - Fique calmo Sebastian, vai ficar tudo bem.

          - Tudo bem?! Sua maluca, nossa mãe esta morta! Foi você que fez isso? Vai fazer o mesmo com nossa irmã?! E o que foi aquilo no sanatório?! - Ela me olhou com frieza.

          - Você me seguiu... - A sacudi.

          - O que você esta fazendo?! - Ela se soltou de mim e olhou para nossa mãe.

          - Eles me disseram que eu deveria lhes emprestar minha familia, então eles trariam papai de volta. E depois devolveriam vocês. E tudo ficará bem. Teremos nossa família de volta, Sebastian. - A virei para de frente para mim novamente.

          - Melanie... Com quem você fez esse acordo? - Ela foi até uma caixa onde estava sua velha mochila, e tirou um livro de lá.

          - Os espíritos amargurados e ressentidos. Desde que o antigo povoado foi abandonado... Eles vêm habitando o sanatório e fazem favores para almas tristes como as deles. Eles pedem algo em troca temporariamente e trazem alguém de volta da morte. Muitas pessoas já fizeram isso Sebastian! Eu só preciso entregar vocês a eles por um curto período e então quando papai voltar vocês também voltam, e tudo ficará bem! - Ela falava de um jeito animado, quase desesperado. Eu agora tinha certeza, realmente ela havia sido a mais afetada pela perda de nosso pai. Ela nunca se recuperou, apenas ficou todo esse tempo planejando um jeito de fazê-lo voltar. E agora ela teria essa chance, porém aceitou fazer um pacto sem volta, e nada ficaria bem, eu sabia disso.

Ela havia sido ludibriada por esses tais espíritos. Minha irmã, antes tão sabia, havia dado nossa própria família como garantia de uma pagamento que nunca seria concretizado.

          - Mel... Eu vou ligar para a policia e para uma ambulância. Vou tirar Coraline daquele balanço, nós três vamos esperar que a policia chegue lá embaixo, eles vão nos perguntar o que aconteceu e diremos que nossa mãe... - Engoli em seco e tentei conter minhas lágrimas. - Que ela... Se matou. Vamos voltar para casa e tudo vai ficar bem. Faço dezoito anos em poucas semanas, então não precisaremos ir morar com nenhum parente. Vai ficar tudo certo, você vai voltar a se consultar com a Doutora Susan, e eu também.

          - Não... - Ela disse com firmeza. - Agora que comecei tenho que terminar.

          - O que... - Antes de terminar de falar, Melanie tirou uma faca do meio do livro e apunhalou meu antebraço. Gritei de dor e tampei o ferimento com a outra mão. Melanie havia corrido até a janela e estava cortando a corda que segurava Coraline. Corri até ela e a empurrei para o lado, abri a janela e puxei Coraline de volta. A peguei no colo e tampei seus olhos, passei correndo pelo sótão e olhei uma ultima vez para o corpo de minha mãe antes de descer e fechar a escada.
           - Sebastian! O que está acontecendo onde está a mamãe? - Coraline me perguntou enquanto eu corria pelo corredor.

           - Elas tiveram que sair, nós vamos procurá-las está bem? Fique quietinha.

           - Espera! Deixei o Sammy sozinho. - Passei pelo quarto dela e peguei a pelúcia no chão. A entreguei e desci para o térreo. Disse para Coraline vestir seu casaco e calçar botas. Fui até o telefone da sala e disquei o número da polícia.

           - Alô? Meu nome é Sebastian Western, vim com minha mãe e minhas irmãs passar o inverno na montanha Londerwood, na propriedade particular da nossa família, a entrada é no quilometro 47 da rodovia estadual! Por favor mande viaturas para cá rapidamente! Minha mãe se enforcou e minha irmã tem alguns transtornos e está muito agressiva! - Disse o mais rapidamente possível.

           - Agressiva...? - Melanie disse do alto da escada com a faca na mão . A atendente estava dizendo alguma coisa, só gritei " socorro " no telefone e corri até o vestíbulo, peguei Coraline e corremos para a floresta.

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