Elisia

Capítulo III - Desconcertante

   - Um iceberg faria um discurso mais acalentador do que a Mama.- disse Ioana, assim que chegaram na casa de Fabian e comeram alguns biscoitos caseiros da avó do rapaz - Ela nem fingiu tristeza por dois dos purificadores mais velhos e que mais ajudaram a corporação!
   - É estranho mesmo, mas ela pode 'tá em choque, Io. - comentou Fabe, com a boca cheia de biscoito - Eu tenho uma teoria. Bellaga e Holyfield tinha alguma envolvimento com pessoas perigosas, tipo os Gângster de Hesso ou alguma coisa assim de fora do estado. Como não conseguiram lidar com os criminosos, eles tentaram fugir na calada da noite e os gângster assassinaram o casal.
   A Menina ficou um tempo olhando para ele, então disse, séria:
   - Sua teoria é tão estúpida quanto o discurso da Mama. Acho que esqueceu que ambos eram Purificadores. Antes de purificar, eles tinha de ser puros, livres de qualquer pecado. Essa é uma profissão sem volta, 'cê sabe disso.
   - É verdade. Mas não acho que foi um estrangeiro. Mesmo com a lei de 2129, que permite a entrada de forasteiros no estado sem a necessidade de batismo, não creio que tenha sido alguém de fora. - disse o garoto
   - Nesse ponto eu tenho de concordar. Não roubaram nada, segundo o noticiário. Seja lá quem matou eles tinha algum motivo, antes de cometer o crime, tinha algum envolvimento com eles. - Supôs Io.
   - Exatamente, Sherlock, mas os drones não são tão velozes assim - riu Fabe, jogando uma lasquinha de biscoito na amiga - Como disse a sua nova amiga de sobretudo, "já estamos no rastro do assassino e provavelmente ainda hoje ele será severamente punido". Ou seja, aguardaremos vendo televisão.
   Dito isso, ligou a tevê do quarto apertando o controle com o dedão do pé

†

   A recepção da Jolie havia mudado muito desde que a última vez que Primo esteve ali. Antes, um cômodo escuro, com cortinas pesadas e papel de parede verde-musgo.
   Agora o papel de parede deprimente foi trocado por um azul-royal com flores-de-lis douradas estampadas; nos quatro quantos haviam pequenas pilastras com um vaso de flores por cima. As cortinas medonhas foram arrancadas e venezianas foram postas no lugar.
   No balcão, a secretária o esperava sorridente; seus dentes brancos sobressaíam na pele sarapintada de sardas.
   - Bom dia, senhor Jain, sou Regina Valle, creio que se lembre que falei com os senhor ontem no período da noite, correto? - disse ela, apertando a mão do guia e ajeitando o cabelo ruivo num coque. - Sente-se, por favor.
   - Bom dia, senhora Regina...
   - Senhor Jain, peço que perdoe-me pela interrupção, mas pode me chamar de Gina, todos aqui na Jolie me chamam assim. Continue, faça-me o favor. - comentou ela, tocando de leve na mão de Primo, mas sem perder a elegância.
   Primo começou a notar na voz da mulher um leve sotaque de Jafar, a parte nobre do estado. Ele prosseguiu:
   - Bem, como a senhora mesma havia dito, vim para negociar o cargo que me foi oferecido em sua ligação. - O guia tentou imitar os trejeitos de fala da secretária, mas se sentia um orangotango aprendendo o abecedário ao tentar fazê-lo.
   - Oh, sim, o pedido foi feito pela própria Igreja pois sabia o quão próximos eram. - Essa última parte foi recebida com uma pontada no peito do guia e confirmado pelo mesmo com a cabeça.
   - E como se apresenta essa proposta? - perguntou ele.
   - Bem, o senhor irá cobrir todas as funções do finado Gerald Holyfield, que consiste no ensino da matéria História Geral do Planeta e suporte á Educação física de todos os alunos do terceiro ano da instituição. A remuneração será a mesma proposta ao seu antecessor, †$ 2,000 Sanctum semanais, totalizando em †$ 8,000 Sanctum mensais. - começou a secretária com um grande sorriso estampado, que sumiu ao ver a expressão de espanto de Jain. - Algum problema, senhor? Está branco.
   Primo nunca imaginara que poderia receber essa quantia. Seu salário de guia de museu pareciam trocados perto daquilo.
   - Não, nenhum, mas...é isso mesmo? O bruto?
   - Bem, fiz questão de fazer as contagem de impostos pra o senhor e cheguei á †$ 7,810 Sanctum - o salário líquido permanecia alto!
Por isso Holyfield sempre estava trajando as melhores roupas e belos relógios e pusleiras, pensou Primo.
   - Onde assino? - brincou.
Gina deu uma risadinha dengosa e tirou o contrato de uma gaveta e entregou ao guia, que teve outro susto:
   - O contrato já está rubricado e com o carimbo do selo sagrado ainda fresco. Achei que ainda tivesse que passar pelas mãos da Mama; mesmo sendo um chamado da mesma, demoraria um tempo para ser processado. - comentou o guia.
   - Vossa Santidade esteve conosco até algum minutos anteriores à sua chegada, senhor Jain - e então acrescentou baixinho - Esse "convite" não foi um pedido, foi uma intimação. Sabemos que a Igreja não pede, Impõe.
   Primo se arrepiou todo. Sabia que a secretária nada tinha á ver com o inesperado convite, mas a maneira que falou foi extremamente sombria.
Ele leu o contrato rapidiamente e o assinou. Estava disposto á sair dali o mais rápido possível.
   - Muito bem, senhor Jain. Á partir de agora, o senhor é um membro do corpo docente do Instituto Jolie. Seja muito bem vindo - congratulou, apertando a mão dele - Sua esposa deve estar orgulhosa, afinal essa é uma das instituições mais antigas e bem pagas do estado, quiçá do país.
   - Eu não tenho esposa - começou o guia.
   - Queira perdoar-me, senhor. Bem, a futura terá orgulho. - disse a secretária, sem conseguir esconder a satisfação.
   - Não creio que haverá uma futura, sou meio fechado para meu trabalho. - respondeu ele, tentando mudar de assunto sem ser grosseiro.
   - É porque ainda não encontrou a certa. Ela pode estar mais próxima que imagina. Bem, perdoe-me pela indiscrição. Nos vemos em breve, senhor Primo - dito isso, a ruiva sentou na mesa, deixando parte da coxa á mostra. Primo apenas observou.
   Já era corriqueiro para ele, esse tipo de assédio. Não tinha como escapar dela, visto que trabalhariam juntos. Só tinha uma coisa á fazer nesses casos.
   - A senhorita deseja me acompanhar para tomar um drink - perguntou Jain, de má vontade.
   O céu parecia ter iluminado ainda mais o rosto de Regina e seu sorriso quase rasgou as bochechas.
   - Claro que...digo, vou verificar na minha agenda, caso eu tenha um tempo vago para lazer, entrarei em contato, senhor Jain.