Capítulo 8

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Como ela poderia deixar seu único filho naquela situação? Durante toda aquela semana, Marcela só pensava que estava prestes a perder o filho. Pior, ele a estava abandonando. No fundo ela sabia que morreria sozinha, pressentiu esse fim trágico quando pôs os olhos no cadáver frio de Alberto, esticado no caixão de madeira. Antes disso ainda, quando estava no hospital, sentada na sala de espera, com as pernas tremendo em uma mistura de frio e desespero e viu a imagem cansada e indiferente do médico dizendo:

- Sinto muito Sra. Alvez, ele não resistiu.

Se não fosse pelo seu filho, adolescente na época, talvez ela não resistisse também. Agora estava na estrada, indo para uma cidade desconhecida, próxima, porém mais distante do que ela desejara um dia estar de Ernesto. E se acontece alguma coisa, com ele sozinho e tão longe? Não chegaria a tempo de ajudá-lo. Iria a mais um funeral, veria mais um partir sem nem ao menos ter a piedade de levá-la junto.

É verdade que ele não estava completamente sozinho, mas de que serviria esse tal de Tomas? Conversaram duas, três vezes no máximo e nada do que foi dito serviu para que pudesse conhecê-lo de verdade. Era um garoto bem educado, mas de poucas palavras; só durante a mudança pôde ver seus pais; ele nunca falava sobre a família ou sobre si mesmo. Eram amigos há muitos anos. Muitos anos. Só isso, nem mesmo um motivo parecia existir para a amizade dos dois.

Pobre Nesto, era só uma criança, nem sabia o que estava fazendo direito quando entregou os colegas da escola que estavam colando. Marcela não sabia dizer quem foi que o ensinara esse tipo de atitude; ela prezava pelo que era certo e queria implantar essa ideia na mente de seu filho – que parecia disposto a aprender e era extremamente curioso -, mas nunca o influenciara a entregar aqueles que não fossem da mesma opinião. Não que eles não merecessem uma punição pelo ato – o que tampouco aconteceu -, só não queria criar um delator.

Ela ajuda a pendurar as poucas camisetas de Ernesto no armário novo. Novo, que era mesmo muito velho. Mas espaçoso e devidamente limpo. Tinha gavetas e portas o suficiente para que coubessem as roupas de ambos os meninos, sem que elas se tocassem ou gerasse confusão. As roupas eram tão parecidas, camisetas simples, lisas, de cores diferentes. Insistiu por muitos anos, mas não conseguiu convencê-lo a se vestir melhor, com camisas sociais ou ao menos polo; ele respondia que não era seu estilo.

Ajudava a arrumar as coisas lentamente, pensando que, quando tudo estivesse terminado, teria que voltar para sua casa, vazia de agora em diante. Queria poder ficar presa naquele dia de mudança para o resto da vida, mas não podia, uma hora teria que encarar essa nova forma de solidão que se lhe apresentava. Ao seu lado passou a mãe de Tomas carregando umas roupas de seu filho. Só então percebeu que não sabia o nome da mulher. Pensou em perguntar-lhe, para que sua mente não lhe torturasse por deixar seu filho morar com um garoto do qual a mãe ele nem sabia o nome; isso fez com que ela a imaginasse retrucando a pergunta e tecendo comentários sobre seu filho, o que a obrigaria a tecer comentários sobre seu próprio filho, depois emprego e casa e tão logo se veria forçada a falar sobre Alberto. Sim, realmente a mãe de Tomas parecia assim tão faladeira e intrometida; desde quando chegaram todos ao novo apartamento, ela já se coçava para puxar algum assunto com a calada e introspectiva Marcela. Toda a hora ela lhe dirigia o olhar, buscando uma entrada, o momento exato para perguntar “Está tudo bem com você..., me desculpe, mas eu não sei seu nome ainda, como você se chama, querida?” Essa abertura nunca veio. Sempre que seus olhares cruzavam, Marcela lhe devolvia um sorriso rápido, como se dissesse “Estou bem, você não tem motivos para me perguntar nada.” Desviando rapidamente o rosto, procurando qualquer coisa para fazer.

Estava impressionada ao ver o quanto os pais de Tomas eram opostos entre si. A mãe era ansiosa, jovem e - assim supunha - intrometida. Já o pai era silencioso, não era tímido, só não parecia sentir a necessidade de falar – nisso seu filho o igualava -, passou o tempo todo com Tomas, carregando os móveis e malas mais pensados e verificando as instalações elétricas, instalando os chuveiros, fechado e cercado por seus próprios objetivos. Era possível ver naquele rosto, muito mais velho do que Marcela imaginara, traços do rosto de seu filho, que por sua vez, também estava muito prestativo, tentando auxiliar a todos.

InocênciaWhere stories live. Discover now