Capítulo 11

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 A sala era escura, iluminada somente pela luz da lua atravessando as janelas, e cheirava a café. Eu estava sentado, olhando para um ponto fixo; uma sombra que eu não era capaz de identificar e se movia de um lado para o outro em passos lentos – talvez um garçom. A sombra enche a minha xícara.

            Escuto o som de uma porta abrindo, mas não vejo porta alguma, só um feixe de luz retangular surgindo e voltando a sumir em questão de segundos. Quando a porta fechou e uma sombra entrou, uma das lâmpadas do local passou a piscar até que se acendeu por completo. Então outra e mais outra, conforme a sombra avançava e tomava aparência humana. Ele vinha em minha direção, o homem idoso e de barba longa. Vestia roupas finas, fora do contexto geral da cafeteria – que era simples e cheia de gente tão simples quanto -, terno, gravata, um sobretudo que, enquanto ele andava, ele retirava, e um cachimbo pendurado no canto da boca. Seus cabelos eram finos e brancos, e seu estado de calvície já era bem avançado. Questionava a mim mesmo se o conhecia, pois ele parecia vir até minha mesa, sempre me olhando e com um sorriso amigável, quase familiar. Por um momento, achei até que fosse meu avô, mas não era possível, ele morreu antes mesmo de eu nascer.

            - Olá, caro Tomas, posso me sentar nessa cadeira vaga? – o senhor me perguntou.

            - Sim, por favor, sente-se. – quem poderia ser ele e como sabia meu nome?

            - Deixe-me me apresentar - talvez isso tire a confusão do seu rosto e torne as coisas mais amigáveis -, meu nome é Felix. Lembra-se de mim agora? – ele perguntou, enquanto se sentava e acomodava seu cachimbo sobre a mesa.

            Não fazia a menor ideia. Pensei em toda a minha árvore genealógica e na de meus conhecidos – nenhum Felix nesse meio.

            - Sou eu! Felix! – insistiu – Nada ainda? Felix Allard, nós nos conhecemos ontem.

            Felix Allard, o escritor morto, que nunca atingiu o sucesso que almejava em sua terra natal. Não sabia se me assustava por conversar com um morto, se me impressionava por ele me conhecer ou se lhe contrariava por nunca termos nos conhecido. Pensei em falar qualquer coisa, mas fui interrompido por uma garçonete que, eu juro, era idêntica a uma das alunas do curso de filosofia – eu ainda não a conhecia, mas mantive seu rosto em minha memória. Não fazia ideia que ela era garçonete.

            - O senhor já escolheu seu pedido? – ela se dirigiu ao Sr. Allard.

            - Pernod para mim, por favor – ela anotou o pedido em seu bloco.

            - E quanto ao senhor – se dirigiu a mim -, mais café ou quem sabe algo para comer?

            Ia dizer não, pensando que alguém tinha acabado de encher minha xícara – podia até ter sido ela mesma -, mas quando fui verificar, estava vazia. Não me lembrava de ter dado um gole, mas deixei pra lá e aceitei mais café. Quando ela deixou a mesa, disse a coisa mais inarticulada, mas que ao mesmo tempo parecia ser o mais coerente a se dizer:

            - O senhor não está morto?

            - Sim – respondeu tranquila e muito educadamente, como um lorde inglês quase. – Isso lhe incomoda?

            - Não – e realmente não incomodava; por mais estranho que pareça, naquele momento, parecia completamente natural trocar uma ideia com um morto.

            - Então pra que se prender em meros detalhes, não? Deixando de lado as coisas fúnebres, é verdade o que eu ouvi por aí, que o Sr. Tomas deseja se tornar um homem das letras?

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⏰ Last updated: Sep 07, 2013 ⏰

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