toxina

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uma mancha enorme

de vinho barato vomitado.

vermelha, roxa, preta, marrom.

multicores.


não era uma simples mancha.

sob os olhos da ressaca

sob os olhos doentios da ressaca

aquilo ali era uma porção de vida.

tinha alma naquela mancha

que borrava um lençol alvo

como papel higiênico.

havia um cobertor embolado no chão

com a mesma mancha.


isso tudo eu fui percebendo

quando acordei.

meio-dia de um sábado ensolarado.

eu não iria sobreviver.

eu bebi água para tentar melhorar

e vomitei a água.

eu não iria sobreviver.

meus órgãos estavam falindo.

eu estava tendo o que eu merecia.

eu era novo demais

para estar naquele estado.

meus órgãos me manteram vivo

por 16 anos

e o que eles ganham em troca?


toxina toxina toxina toxina toxina toxina


como se de toxina

já não bastassem as falácias

da minha mãe dizendo

que eu não tenho autoestima

porque eu não corto o cabelo.

eu tenho que cortar o cabelo

para ter autoestima.

como se não bastassem

essas falácias

que eu tenho que engolir

ainda me encho de


toxina toxina toxina toxina toxina toxina


eu não iria sobreviver.

mas eu naquele dia de merda

eu teria FEIRA DE CIÊNCIAS.

eu ali temendo a morte

mas seria obrigado

a pensar sobre física

e me arrastar até o colégio

tentando não vomitar

o caminho todo.


um falatório e uma movimentação

que me embrulhavam

mais ainda o estômago

eu estava lá.

FEIRA DE CIÊNCIAS.

na sala abafada

havia um grupo

fazendo um experimento

com enxofre.

o cheiro era fatal.

corri até o banheiro

e vomitei na pia.

aquilo não estava certo.

a pia não era o lugar certo.

o zelador olhou para mim.

eu podia sentir

os olhos dele faiscando

e os pensamentos

sendo reproduzidos

naquelas íris-cinzentas

eu me via sendo afogado por ele

num vaso sanitário cheio

de mijo acumulado

porque ninguém dá descarga

em vasos públicos

porque

as pessoas simplesmente

deixam acumular

como se a vida delas

dependesse disso.

como se eles fossem

contrair alguma doença

caso dessem descarga.


no refeitório eles serviam sucrilhos com leite.

SUCRILHOS COM LEITE.

e eu sem apetite algum.


desisti e

fui embora do colégio

fui embora da feira de ciências.


voltei me arrastando para casa

para os cobertores manchados.

para os lençóis manchados.


comi um pote de sorvete de pistache.

eu estava sobrevivendo.






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