Capítulo 1 - Parte 1

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Japão Feudal. Período Edo - 1787.

As colinas ondulavam verdejantes, repletas de cores e aromas desprendidos das cerejeiras em flor.

Eram princípios de Primavera.

Montanhas e planícies fervilhavam de vida recém-nascida e de vida sobrevivente ao rigoroso Inverno.

Nos vales, aos pés das montanhas, seus campos úmidos se cobriam de arrozal de diversas cores e matizes.

Ao menos, naquela localidade da ilha de Honshu, a comunidade vivia em relativa tranquilidade, a salvo de rônins e outras ameaças humanas.

- Quanto tempo mais pensas em ficar afastado da tua Terra-Mãe, Miguel? -

Okami perguntava sem desviar os olhos das ondulações de grama e flores da colina.

Sementes de dente-de-leão eram carregadas pela brisa que também ondulava os longos cabelos cinzentos e o kimono de seda branca da estranha mulher japonesa.

O homem moreno, também de estranha aparência zoomórfica, lupina, virou-se por sobre o ombro, com uma expressão de troça no belo rosto de constituição forte.

- Não abandonarei as terras de Honshu em plena Primavera, depois de aguardar um ano pelas flores de cerejeira. Por que a pressa de ver-se livre de mim, minha adorável Okami-sama?

Okami sorriu, deixando à mostra os caninos longos.

Deslizou graciosamente na direção do homem-lobo, e o vento afastou suas madeixas cinzentas, descortinando as grandes orelhas lupinas que se confundiam com os cabelos.

- Por meu próprio desejo, jamais quero estar livre do senhor. Mas és um Raptor e muito me preocupam os irmãos das terras espanholas. O mundo está mudando, meu amado. Os humanos estão despertando e os ocidentais começam a sair da Era das Trevas. Isso tanto pode ser um sinal de progresso espiritual quanto... o início de uma longa queda que levará muitos com eles.

Miguel envolveu a mulher-lobo-de-Honshu em seus braços morenos e fortes.

Com carinho, deslizou a ponta do nariz pelo rosto de Okami, até descansar sua testa sobre a dela.

- Tens comentado muito sobre isso nos últimos tempos... estás impressionada com os acontecimentos na Europa e América? A reforma social que os irmãos humanos franceses se propõem tem bons preceitos. Falam de igualdade, fraternidade e liberdade, que só pode elevá-los moralmente. O que temes, afinal? Chegará o fim das tiranias religiosas e monárquicas e não haverá mais impérios para esmagar a todos. Isso não é bom?!

Okami deitou a cabeça no ombro de Miguel, e seus cabelos escorreram por sobre o braço musculoso dele.

- Meu coração diz que... uma Era de trevas ainda mais densas recairá sobre nós... pressinto o fim...

Miguel fechou os olhos e suspirou com pesar.

Ele não queria acreditar nas palavras de Okami, mas não ignorava o poder premonitório que a mulher-lobo possuía.

Estreitou-a ainda mais em seus braços, tentando ser otimista.

- Nem todo o fim significa o aniquilamento... quase sempre é apenas o encerramento de um ciclo para que haja o começo de algo seguinte. Tenhamos fé, meu amor. A Grande Mãe não nos desamparará.

Okami suspirou com pesar, deixando sua visão vagar junto às sementes de dente-de-leão carregadas pelo vento.

Queria muito acreditar nas palavras otimistas de seu amado, mas o seu coração era enfático em afirmar o contrário.

~*~

Alguns anos se passaram até que Miguel se desse por satisfeito com os ensinamentos adquiridos de Okami, a Raptor de Honshu, chamada pelos aldeões japoneses de okuri-okami - o "lobo que acompanha".

A mulher-lobo possuía a sabedoria milenar oriental que lhe fora transmitida por seu mestre, que lhe antecedera como Raptor daquela região.

E a ele também fora transmitida, mantendo viva e atuante a sabedoria dos ancestrais.

Okami também ensinou ao Encantado espanhol o Kenjutsu, a arte da espada, a qual ele se tornou exímio, acabando por agregar ao seu conhecimento marcial outras técnicas de lutas e armas, principalmente na manipulação da kusarigama.

A sua missão natural de um Encantado que se tornou Raptor, o guardião e protetor da flora e fauna, o chamava ao seu posto nas florestas da Península Ibérica, no País Basco, Espanha.

Por mais que amasse Okami e a ilha de Honshu, a sua natureza exigia o cumprimento de seu dever.

Os anos se passaram sem que ele tornasse a ver sua companheira.

Trocavam esporadicamente mensagens, o tanto quanto era possível, devido à precariedade da comunicação e a distância, tendo que contar com a disponibilidade de Encantados alados que, porventura, migrassem pelos céus do mundo.

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Raptores - Episódio 1Onde histórias criam vida. Descubra agora