Parte 3 - Capítulo 9 - Final

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Entardecia e a chuva fina que voltou a cair o restante do dia começava a se dissipar.

O céu, ainda carregado com nuvens lanosas e cinzentas, abria-se em brechas espaçadas que permitiam passar os últimos clarões de sol, tingindo as suas bordas de vermelho e dourado.

A mata reluzia e brilhava pelas gotas de chuva ainda suspensas.

Num ponto mais afastado, em que o céu estava cinza-chumbo e despejava seu aguaceiro, um arco-íris se riscava de um ponto a outro.

Luzmarina, sentada na beirada do chão da varanda, com as pernas penduradas e balançando ao relento, olhava absorta as poças no chão arenoso que refletiam o clarão crepuscular do céu.

Uchoa estava sentado e voltado de frente a ela, recostado a um dos pilares feitos de toras.

Trajava apenas uma calça larga de algodão rústico. Faixas de gazes envolviam o seu corpo sobre as costelas.

Os cortes que levou da foice de Escobar estavam cicatrizados por conta própria, sendo apenas riscos avermelhados que indicavam serem recentes.

Apenas sobre o corte de seu rosto Mãe-Cegonha providenciou um curativo com esparadrapo, pois a foice cortou até a base do osso do nariz.

Certamente aquela cicatriz ficaria mais evidente que as outras por muito mais tempo.

A sua aparência era a sua forma-original de homem-lobo: mãos e pés terminados em garras afiadas; dentes mais longos e pontudos, especialmente os caninos; as orelhas grandes e triangulares que se confundiam com os cabelos bastos e rebeldes de castanho-acinzentado; os olhos ambarinos e expressivos que ficavam ainda mais evidentes pela moldura da pele morena escura.

"Já está há bastante tempo em silêncio, Luz... decidiu o que fará?"

"Não é uma decisão fácil a tomar... ter que deixar que comuniquem aos meus pais, a minha família, amigos, conhecidos, de que estou morta estando viva... penso se não seria melhor se o inverso tivesse acontecido."

Uchoa sentiu o peito se comprimir.

Ele a protegeria com a sua própria vida, além de querer tê-la sempre junto a ele como sua mulher, mas, mesmo ele, não poderia obrigá-la a aceitar a imposição de Escobar; não poderia obrigá-la a se decidir pela vida; não poderia forçá-la a permanecer com ele...

"Eu sei que é difícil... provavelmente será a decisão mais difícil que tomará em sua vida. Mas não pense que a morte teria sido a melhor solução! Você é essencial ao mundo, Luz... a Terra precisa de pessoas como você!"

Luzmarina riu infeliz, virando o rosto para Uchoa:

"Qual será a minha utilidade se estarei oficialmente morta? Não poderei mais ser quem sou e nem mais trabalhar nas pesquisas! Eu serei nada!"

"Não é verdade! Tudo ainda poderá ser feito de outra forma. E é só uma questão de tempo, não é irremediável como a morte. E acredito que... muitas coisas ainda acontecerão. Escobar não está totalmente corrompido... talvez, e espero que sim, depois que o rancor dele ceder, ele desista do que está fazendo e não seja mais uma ameaça para nós."

Uchoa aproximou-se de Luzmarina, parando a poucos centímetros dela.

"Não vou obrigá-la a nada, você tem o seu livre-arbítrio e é plenamente capaz de decidir por si mesma... mas eu gostaria que permanecesse comigo..."

Luzmarina virou-se para ele.

Estavam tão próximos que ela sentia a respiração dele acariciando o seu rosto e o suave olor almiscarado. Sorriu.

Raptores - Episódio 1Onde histórias criam vida. Descubra agora