Capítulo 1 - Parte 2

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1830.

O mundo finalmente despertava para a aurora dos novos tempos.

As máquinas começavam, pouco a pouco, a fazer parte deste novo mundo.

A monarquia, em muitos países, começava a perder sua força, sendo relegada a títulos de adorno.

O povo começava a se instruir e o analfabetismo não era mais tão massificado.

Barcos a vapor e a invenção do veículo sobre trilhos, a locomotiva, começavam a acelerar o mundo, reduzindo as distâncias e o tempo.

E as armas também se sofisticavam.

Não mais arcabuz ou mosquete, mas espingardas e carabinas capazes de disparar tiros com melhor cadência e precisão.

E o estampido seco do tiro reverberou colina acima, rebatendo em cada uma daquelas velhas árvores da floresta ibérica.

A loba atingida ganiu de dor, mas seu apego à vida e o seu instinto materno em conservar viva a sua prole era muito mais forte do que uma bala de ferro.

Ela era uma loba-ibérica, cinzenta e delgada. E era mãe de uma pequena ninhada de três filhotes.

Mesmo se esvaindo em sangue e dor, a loba se recusava a tombar e morrer.

Seus três bebês precisavam muito dela e o seu instinto lhe advertia que aqueles homens covardes e perversos fariam mal às suas criancinhas.

Brava e valente, a loba se esforçou por se manter ameaçadora, com os pelos do dorso em riste e todos os dentes afiados à mostra num sorriso perigoso e feroz.

Os homens riam enquanto recarregavam as armas.

Riam e se aproximavam da mãe ferida que tentava proteger a toca e seus três filhotes.

Mas, o que ela poderia fazer?

Quando o homem decide matar e destruir, nada o demove do seu intento.

E, por diversão, rindo, um deles aponta a espingarda carregada e dispara contra a cabeça da loba, que esfacela, tirando-lhe totalmente a chance de resistência, a oportunidade de lutar e se defender, o direito de preservar seus filhotes.

A toca, sob um barranco, não era profunda e não oferecia nenhuma segurança se não houvesse a mãe para defender.

Os dois homens chegam chutando o cadáver quente da loba e, com mãos enluvadas, arrancam os filhotes de sua ilusória segurança.

Os lobinhos choram e reagem feito gente grande, mordendo e arranhando seus algozes, mas o que apenas conseguem são pancadas violentas, não apenas no intuito de domá-los, mas, principalmente, de matá-los.

Os homens são caçadores de peles, os chamados "peleiros", e as peles de lobos filhotes são mais cobiçadas e caras do que as de lobos adultos.

Um dos filhotes desmaia com a pancada em sua cabeça e imediatamente o caçador começa o seu escalpo, arrancando o couro do animal com ele ainda vivo e semiconsciente.

Essa tortura e crueldade não era uma exceção.

O lobinho não estava sendo tão azarado assim.

Animais escalpelados vivos e muitas vezes conscientes é uma rotina entre os peleiros.

O filhote escalpelado retornou à consciência e ganiu freneticamente em altos brados, utilizando toda a reserva de força para uma vida inteira naquele momento.

Um dos caçadores, irritado, pisa sobre a cabeça do animal, esmagando-a, calando-o para sempre.

E quando o outro se preparava para escalpelar os outros lobinhos, um brilho veloz passa por ele, tão veloz que apenas sente a pressão no ar e o zumbido metálico.

Raptores - Episódio 1Onde histórias criam vida. Descubra agora