O Velho Manco: Parte II

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A sobrinha do conde Arthur Galford sempre ouviu falar da velocidade com que as flechas saem dos arcos monteses, mas nunca pode experimentar um. A força necessária para vergá–lo é bem maior do que sua expectativa mais pessimista, contudo não é impossível. Os dois primeiros tiros saem completamente errados. O terceiro teria matado o próprio Rur se ele não estivesse – de alguma forma que ela desconhece – desviando todos os tiros ao seu redor. Mas a partir do quarto tiro, todas as flechas encontram um pescoço, tórax, barriga, braço ou perna que seja. Quando sua aljava fica vazia, Moira cuidadosamente escora o arco em um lugar seguro e corre na direção do grupo que tenta matar o velho wulup. E Rur parece mesmo estar precisando de ajuda. Ele não consegue manter o ritmo de luta tão intenso quanto no início. A donzela chega bem a tempo de interpelar três piratas que o wulup provavelmente não tinha visto. Não é uma luta muito fácil para ela, pois os homens têm sede de sangue, mas então a garota sente uma perturbação no ar muito próxima de sua orelha direita. É a outra garou que estava na cintura de Rur. Ele a arremessou e fincou em um dos inimigos dela. Sem olhar o que ocorre com o velho, Moira parte para atacar os dois ainda surpresos piratas. O mais próximo – e mais atento – conseguiu pular para trás e escapar de uma estocada direcionada ao seu pescoço. O segundo tenta contra-atacar, mas uma rápida esquiva em diagonal faz com que a filha de Anna chegue às costas do homem. Aproveitando que a garou em sua mão esquerda é uma arma curta – para combate próximo – ela facilmente enterra a grossa lâmina da arma wulup nas costas do pirata, que cai cuspindo sangue no chão. Ele ainda tenta levantar-se, mas com o florete, a moça lhe aplica um golpe de misericórdia. Resta um furioso pirata, mas em seu olhar há mais medo do que raiva, em especial quando Moira percebe o homem olhando para a batalha que se desenvolve nas costas da nobre das Ilhas Frias. Ela chega a pensar que pode valer a pena rendê-lo e fazer ao menos um prisioneiro, todavia esse plano é desfeito assim que o homem resolve atacá-la com duas machadinhas de cabo longo. Os golpes fortes dele são difíceis de defender, sendo que ainda consegue ligar uma estocada a cada golpe lateral. Moira tenta aproveitar o recuo de um movimento do pirata para atacá-lo. Ele, que parecia esperar por isso, consegue travar o florete dela com uma das machadinhas. Fazendo força contrária com a outra, o homem consegue arrancar a arma das mãos de sua inimiga. Então um novo ataque com as duas machadinhas na garou da moça acaba por desarmá-la completamente. Moira escapa de um terceiro ataque e agora consegue ver a luta de Rur contra os últimos cinco hostis. O wulup está cansado e não tem como ajudá-la dessa vez. Resta a ela confiar em sua própria agilidade e no excesso de confiança que o pirata à sua frente parece demonstrar. Um fica esperando o outro agir, mas Moira não pode se dar ao luxo de executar o primeiro movimento. Precisa esperar que a paciência do homem acabe. E não demora, pois o grito de um de seus companheiros lembra o homem que há um inimigo bem mais perigoso logo atrás dele. Ele decide resolver a situação de forma segura e opta por um ataque rápido e pouco forte. E esse foi seu erro, pois deu chance para a garota bloquear a investida e ainda agarrar o cabo da machadinha. Ele tenta um segundo golpe, mas sem a técnica apropriada para ataques curtos, o homem acaba como que telegrafando a trajetória da machadinha. Moira não hesita e agarra o cabo dessa arma também, transformando a situação em um cabo de guerra mortal. Ainda seguro de si por causa da diferença de força e tamanho, o pirata resolve puxá-la para seu peito como se ela fosse uma criança. Era tudo que a garota queria. Largando as machadinhas quando já está no ar, ela aproveita a força do puxão e bate sua testa com toda a força no nariz de seu oponente. Além do chafariz de sangue na face, os olhos dele involuntariamente se enchem de lágrimas, dificultando a visão. Tomado de uma fúria cega, ele não percebe a jovem de cabelos negros aproximar-se novamente. Com a ponta dos dedos quase esticados e rígidos, ela desfere um golpe no gordo pescoço dele. Aproveitando a baixa visão e a falta de fôlego de seu inimigo, Moira consegue pegar a arma que está mais perto – a garou que Rur enterrara no peito do primeiro dos três piratas. Antes de se refazer dos ataques, o homem sente a lâmina wulup penetrar em seu peito. Em uma fração de tempo seguinte, ele deixa de sentir qualquer coisa. Para sempre.

~~ * ~~

Empunhando novamente seu florete, Moira parte em auxílio de seu novo aliado. Os últimos quatro piratas logo sucumbem ao talento do velho wulup e da jovem humana.

– O senhor está bem?

– Apenas cansado. Não te preocupes.

– Mas sua perna direita está machucada.

– Machucada onde? Ah! Dizes isso por eu mancar? Já me acostumei tanto com essa situação que até esqueço. É um ferimento antigo. Adquiri-o pouco tempo depois de deixar tua mãe e teu tio nas Ilhas Frias. Deve fazer uns sessenta invernos já... – ele interrompe sua fala, apóia-se em sua lança e respira fundo, admirado. – Pelo Ancião das Eras! Passou-se muito tempo – ele olha em volta e ri. – Quem diria que um velho de trezentas e noventa e seis primaveras ainda poderia fazer frente a uma multidão como essa? É bem verdade que meus antepassados todos viveram muito mais do que isso. Mas, salvo Maytell, não há registro de nenhum deles que tenha se envolvido em batalha após trezentos ciclos solares – de repente ele parece notar onde está. – Que tolo sou eu! Estou aqui divagando sobre a vida como quem dá uma palestra...

– Não – Moira o interrompe. – São informações interessantes, senhor! Eu me interesso por história.

– Saíste mesmo bem parecida com tua mãe. Não fossem teus olhos verdes, eu diria que é Anna Galford quem está na minha frente – ele aproxima-se dela e abaixa-se até a altura dos olhos da moça. – Sabes que devias ser tu a rainha dessa nação, não sabes?

– Jamais quis isso para mim – ela projeta um olhar esmeralda tão profundo e frio de volta para o velho que ele sente seu coração gelar. Tal é o incomodo causado em Rur que ele meche os ombros e o pescoço e fica ereto novamente.

– Eu sei que não. Li teus pensamentos à noite toda. Mas com esse simples olhar tu poderias botar algum bom senso na dinastia dos Robin. Tua irmã não tem a força necessária para isso, apesar de fazer o melhor que pode. Apenas pense no que vou te falar – ele adquire um ar mais paternal. – Foste injustiçada, é verdade. Mas sei que te preocupas com o destino da nação. Não pague o mal que sofreste com frieza. Faça a diferença. Aproxime-te de teus sobrinhos e tente indicar a eles o caminho correto...

– Se o senhor se importa tanto com Irralum, por que não continua governando?

– Eu faria se pudesse, acredite. Mas está além da minha força. Meu primogênito e minha esposa me odeiam. O único motivo de eu ficar no reino é que meus outros filhos, Beruf e Tellkar, ouvem-me. Beruf bem mais do que Tellkar, é verdade. Eles são muito próximos especialmente de tua sobrinha Annette, que parece apreciar muito a companhia deles. Contudo ela precisa de família por perto também. E só o Ancião sabe o quanto os outros tios dela são má influência.

– Prometo que pensarei a esse respeito, Rur. Mas agora temos outras coisas com que nos preocupar, não acha? Era para já podermos ver ao menos a fumaça das canhoneiras a vapor da marinha real.

– Vejamos – Rur puxa uma corrente de dentro de seu casaco. Seu pingente é uma pequena esfera vermelha. Ele a aperta e olha para o horizonte. – Realmente não vejo, ouço ou farejo nada no ar.

– Acha que os meninos naufragaram?

– Pouco provável. Eles pareciam saber manusear bem o barco e não há nenhuma corrente perigosa no caminho deles, nem qualquer obstáculo. Se fosse no trajeto das Ilhas Frias até aqui, poderia até ser que tivessem encontrado um monstro do mar, mas daqui até o arquipélago principal as águas são rasas e jamais houve relato do aparecimento dessas criaturas por aqui. Eles devem ter conseguido chegar...

– Então o que estaria atrasando o início do contra-ataque? As Ilhas Frias são muito importantes para Irralum...

– Sim. Tão importantes que justificaria subornar algum alto oficial para impedir uma ação até que seja tarde demais. Isso justificaria o fato desses piratas não terem ido atrás dos meninos. Mesmo estando mais devagar, eles poderiam aliviar o peso e posicionar um canhão na frente, para tentar acertá-los. Se não o fizeram e nem voltaram para as Ilhas Frias, é porque possuem alguém na ilha fortaleza do sul, que é onde Mairéad e Áaron certamente desembarcarão para dar o alerta. Ainda bem que tu não foste com eles, pois teriam te matado. Os pequenos talvez estejam só presos em algum lugar. Tens que ir para lá agora mesmo.

– Como? Não tenho como chegar lá rápido o suficiente.

– Pegue as armas que julgares necessárias para combater e me acompanhe.

O Alerta do PeregrinoOnde histórias criam vida. Descubra agora