Os Faróis: Parte I

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A praia aproxima-se rapidamente. Não fosse pelo orbe vermelho, Moira jamais conseguiria pousar sua asa de vela sem arrebentar-se contra o chão. Ainda assim não é um pouso exatamente suave e a parte esquerda da asa acaba quebrando-se. Levantando-se com sua costumeira classe, ela bate a areia de suas calças e olha ao redor. O fiml da madrugada a mantem anônima para as torres. Até porque todas olham para o alto-mar e não para o espaço aéreo próximo. A primogênita do duque de Grimmark – todos os filhos da falecida primeira esposa são homens – pega o medalhão da família de seu bolso e o coloca no pescoço. Tirando suas luvas de couro, ela deixa à mostra o anel que a identifica como herdeira de Grimmark e corre até a torre de vigia mais próxima, mas não sem antes apagar e esconder a esfera vermelha dentro de sua camisa. Incomoda-a o fato de tudo parecer realmente calmo na ilha. Não há qualquer movimentação de guerra e ela não viu vestígios do Peregrino ou mesmo perigos no caminho que o pudessem ter afundado. Para Moira, isso confirma as suspeitas de Rur a respeito de corrupção na guarda da ilha. Sem tirar uma das mãos da bainha da espada, ela bate na porta de uma torre.. Um sonolento homem abre a porta de forma preguiçosa apenas para encontrar a fisionomia irada da lady Grimmark em sua frente. Não bastasse o medalhão dela saltar aos olhos, sua mão esquerda estendida aguardando um beijo no anel deixa muito claro o problema que ele terá se não agir conforme o esperado.

– Se... senhora. O que a traz de tão longe a essa hora? Desculpe-me, os outros vigias não avisaram da aproximação de vosso navio...

– É porque não viemos de navio e estou sozinha, mas isso não importa. Soe o alarme! As Ilhas Frias estão sob intenso ataque de uma grande frota de piratas.

O homem quase tropeça para trás, surpreso com a notícia, e corre escadaria acima. Moira o segue de perto, atenta a qualquer comportamento dúbio que o homem possa apresentar. Sem que ele perceba, ela acende novamente seu orbe vermelho, para escutar qualquer possível emboscada no apertado ambiente em que eles sobem. Cada curva é precedida por tensão e seguida de alívio até que o soldado chega ao topo da torre, onde fica o farol. Ali, ele acende uma lanterna direcionada à torre central da ilha, que é onde fica o alarme sonoro. É de lá também – e só de lá – que pode ser enviado um sinal de luz para a ilha central, Irralum. O homem fica surpreso ao constatar que nada acontece: não se ouve alarme e não é visto qualquer feixe de luz direcionado a casa real.

– É como eu suspeitava...

– Perdão, senhora?

– O comando central dessa ilha foi corrompido, soldado. Outros chegaram aqui antes de mim e não foi enviada qualquer ajuda. Acorde seus companheiros na torre e mande alguém para o sul e para o norte, para dar o alarme aos outros. E mande que continuem assim até que todos os faróis periféricos se acendam. Eles não poderão nos ignorar, mas provavelmente tentarão algo para silenciar a todos.

– Se o que dizes é verdade, senhora, e nos vierem atacar, quero vê-los tentar penetrar em nossa torre.

– É muito bom ouvir isso, soldado. Faz-me ter esperança de que ainda há honra no arquipélago central – ela vira-se e começa a descer as escadas. Moira não se surpreenderia se o soldado a atacasse pelas costas, mas ele faz exatamente o combinado e começa a acordar seus companheiros.

~~ * ~~

Escondendo novamente seu medalhão e recolocando as luvas, ela segue para a torre central. Antes que chegue à metade do caminho, todos os faróis periféricos já mandam os sinais de alarme para o farol central. Escondendo-se entre as casas das famílias dos militares da ilha, Moira passa despercebida pelos oito esquadrões que dirigem-se a cada uma das torres acesas. Era certo que isso aconteceria. Chegando à central de comando da ilha, ela não encontra vigias na torre central, mas a porta está trancada. Não resta muito tempo até a tropa voltar e tornar o trabalho da jovem mais difícil. Ela acende novamente o orbe vermelho, na tentativa de ver algo que ainda não percebeu. Como toda boa instalação militar, essa foi feita para não ser invadida. Há janelas, porém, e Moira começa a procurar alguma corda que possa lançar. Com um pouco de sorte, acertaria um quarto vazio. Correndo a passos leves em volta da torre, ela não acha nada. Se tiver que voltar em alguma casa, ou até as torres para buscar algo, será capturada. O tempo urge. Mesmo com o orbe clareando-lhe a mente, ela já quase desiste da ideia. Jogar-se no mar e ir a nado até Irralum-Rilhe parece uma opção melhor no momento. Mesmo sabendo dos riscos da travessia, ela ia dar início a esse péssimo plano quando parou para prestar atenção no mastro com a bandeira de Irralum hasteada. A corda, entretanto, é mais fina do que o normal. Na certa para evitar que seja usada para o que Moira tinha em mente. Com suas esperanças quase no fim, ela ouve tiros vindos de algumas torres. Se há soldados voltando para onde ela está, na certa já deram meia-volta para o local do conflito. Isso lhe dará algum tempo. Então uma cabeça aparece de uma janela logo acima de onde a garota se encontra. Mercher-se nesse momento denunciará sua posição, já que o homem não olha para baixo e sim na direção dos tiros. Moira permanece imóvel até que a luz da janela em questão suma. Logo as dos andares superiores vão acendendo. Não é um quarto muito alto e agora certamente está vazio. Moira também nota que o mastro está bem próximo da construção. Três passos aproximadamente. O topo dele está um pouco mais baixo do que a janela por onde aquele homem apareceu. Saltar a essa distância é muito fácil para a garota. Afinal, foi seu gosto por acrobacias que a fez perder o trono irraleno.

~~ * ~~

Poucos dias antes de se oficializar o noivado de Moira de Grimmark e o então príncipe Ramdar Robin, ela e Lorelai foram passear pelas áreas mais remotas das Ilhas Frias, como era costume das duas. Um desafio de salto feito aparentemente por mera competição fraterna resultou na queda de Moira em um penhasco, o qual Lorelai mais tarde jurou acreditar ter tirado a vida da irmã. Com medo de represálias, a caçula omitiu a exata localização de onde viu a mais velha pela última vez. Demorou algumas fases lunares até Moira sair e aparecer novamente no castelo Grimmark, mas àquela altura, ela já era dada como morta e Lorelai fora declarada noiva do príncipe herdeiro. Para evitar contendas públicas na família governante das Ilhas Frias, o ocorrido foi mantido longe dos olhos públicos e até mesmo da família real de Irralum-Rilhe.

O Alerta do PeregrinoOnde histórias criam vida. Descubra agora