Escudeiro

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Ao amanhecer.

Andjew vestiu uma das armaduras que achou na guarnição. O plano era perfeito. Vestido como um Guarda da Guilda, ele passaria junto com Rachel pelos portões da Cidade Alta de Arthor.

Não tem como dar errado.

A pequena o ajudava a amarrar as presilhas da armadura, uma pesada cota de malha, acompanhada por ombreiras, placas de metal protegendo o peito e um elmo pontudo.

Os dois estavam atentos para qualquer movimento suspeito, os olhos felinos de Andjew passeavam pela floresta, qualquer sinal de alerta era motivo para que ele e Rachel saíssem dali o mais rápido possível.

Alguns momentos mais tarde, os dois montaram no cavalo negro e seguiram a galope. Antes de partirem Andjew cobriu a garota com uma capa amarronzada que encontrou junto a uma das carroças abandonadas.

- And. E se perguntarem de mim? - A pequena perguntou aflita.

- Se perguntarem, você é meu escudeiro, entendeu? - Andjew foi firme. Para Rachel aquilo seria uma grande brincadeira.

Muito do que Andjew disse mesmo como apenas um disfarce, no fundo era real. Rachel era muito além do que sua escudeira. Era o motivo que o mantinha de pé. Nada o pararia até que chegassem a Cidade Alta.

Absolutamente nada.

Os dois cavalgaram, partiram floresta adentro. Até que a floresta se tornou planície. E a planície se transformou em um belo campo verdejante ao sopé de uma montanha, cercado por rios e córregos. Incrustada na montanha uma cidade se revelava, o constaste dos tons cinza claro dos prédios das guarnições com o verde da relva e o azul cristalino da água dos rios parecia pintar um belo quadro a óleo no horizonte. Vários portos se espalhavam ao redor dos lagos.

Não havia muralhas ao pé da Cidade Baixa, apenas guarnições montadas ao longo de um perímetro que cobria toda a extensão do lago principal. A grande muralha estava lá atrás. E foi para lá que os olhos de Andjew viajaram.

Depois dos casebres humildes que pendiam por toda a Cidade Baixa, uma grande muralha despontava no ponto onde a altitude da montanha começava a subir. Era branca, se estendia por uma distância incalculável aos olhos de Andjew. Mansões gigantescas se espalhavam para lá da muralha, assim como cachoeiras que desciam do alto da montanha em um festim que mais parecia uma dança. O verde era abundante, e subia até quase tocar as nuvens. No alto, uma construção imponente se erguia. O Palácio da Guilda.

Os dois irmãos estavam boquiabertos. Arthor estava, verdadeiramente, á altura das lendas que a descreviam.

Pelo menos é o que eles achavam até chegar a primeira guarnição em frente a Cidade Baixa. A visão era aterradora. A diferença era gritante.

Casas de madeira velha espalhadas pelas vielas estreitas, mangues e córregos lamacentos. Tinha um fedor característico, de prostíbulos, estábulos e barracas de especiarias velhas, misturado ao cheiro acre dos barcos de pescas, dos mendigos jogados pelos cantos. Uma miríade de vilas retorcidas e tortas, cruzava toda a Cidade Baixa, até o grande portão da Muralha, fortemente protegida.

A guarnição mantinha o acesso a Rua Principal que levava ao destino que os dois irmãos queriam. A Taberna do Ogro-Caolho, ao lado da Praça dos Imortais. Centro de entretenimento da plebe de Arthor.

O cheiro enojou Rachel, que escondeu o rosto no manto. Quando ela retirou o pano do rosto percebeu que haviam sido parados.

- De onde você vem? - Um guarda da guilda interpelou Andjew em frente a guarnição. - Não ouviu o chamado do Primeiro Comandante?

-Merda, o que eu faço?

- Não, aconteceu algo? - Andjew respondeu a primeira coisa que veio a mente, soava frio por dentro daquela armadura pesada.

Calma, pensa. Pensa.

- É claro que aconteceu, soldado. Fomos atacados ontem a noite. Todos foram chamados a se apresentar no Hall da Guilda. É melhor se apressar.

- Sim, claro. Perdoe-me pelo equivoco. Já estou a caminho. - Andjew respirou aliviado e estava pronto para cavalgar cidade adentro.

- Um segundo, soldado. - Uma voz soou um pouco distante. Na relva, um corcel branco despontou, montado nele um cavaleiro trajando uma brunea completa, com todas as insígnias tradicionais da Guilda, nas mãos uma longa espada prateada. Por entre o elmo curto se podia ver seu rosto, a pele morena, o queixo pontudo como um grande martelo, olhos firmes e negros.

- Sir Rohaan. - O guarda que atendeu Andjew fez uma saudação.

- Guarde as formalidades para depois soldado. - Disse ao guarda. - Você, soldado. Qual seu nome? - Questionou Andjew.

O patrulheiro segurou firme a rédea do cavalo. Não sabia o que fazer. Rachel o apertava cada vez mais. Apavorada.

Merda, merda, merda.

- Me desculpe Senhor. Mais eu preciso ir em direção ao Hall. - Andjew não sabia mais medir as palavras. A voz saiu trêmula.

- Eu como Primeiro Comandante da Guilda, ordeno que retire o elmo! Temos suspeitas de um desertor entre nós. Apenas devemos fazer o melhor para a segurança da Guilda. - O cavaleiro se aproximou. A espada balançando nas mãos. Os soldados da guarnição se aproximaram.

Eu vou ter que me arriscar.

Andjew retirou o elmo, os guardas claramente não o reconheceram. O patrulheiro era um Eladrin. A grande maioria dos Guardas da Guilda são homens. Todos desembainharam as espadas.

- Quem é esse ai atrás? O comandante questionou. Apenas para ter um motivo claro para dar a ordem de ataque.

Andjew franziu a testa. Segurou com força as rédeas e sussurrou para Rachel.

- Pequena, segure firme. E confie em mim.

- É o meu escudeiro. - Respondeu Andjew.

Os guardas da guilda não possuíam escudeiros. Andjew não sabia disso.

No mesmo instante todos os guardas correram em direção a Andjew, formando um cerco.

- Prendam-no! Ou matem! - Berrou o comandante.

Andjew ajustou as estribeiras e partiu a galope. Derrubou os dois primeiros guardas a sua frente e disparou por entre a guarnição. Fechou os olhos.

Numa velocidade assustadora ele atravessou a Rua do Porto, chamando atenção de todas as pessoas que partiam ou entravam em Arthor naquele instante. Os sinos de alarme soaram agudos. Mas o patrulheiro se concentrava apenas em sua respiração. Ele precisava chegar até um ponto alto da montanha, perto da vegetação.

Lá ninguém poderia encontrá-los. Era sua única chance.

O cavalo negro passou por uma segunda guarnição. O som das cordas dos arcos soou pela entrada da Cidade Baixa. Os arqueiros miravam nos dois irmãos.

As flechas zuniram.

Que os deuses me ajudem.



Lembranças de um deus caídoOnde histórias criam vida. Descubra agora