Essa é mais uma história sobre a jornada do herói.
Devo contar uma história que aconteceu comigo há alguns anos, não que eu seja um herói, apenas lutei por algo que não pode ser descrito, mas não há quem não entenda: a liberdade.
Recusei-me a acatar a vertiginosa missão de libertar o meu povo de um governo opressor por não acreditar que essa tarefa fosse minha. Eu fui egoísta. Enquanto era meu povo, nada fiz. Mas logo passou a ser minha família
Meu filho acabará de nascer com saúde, e apesar da inocência em seu doce olhar, pude admirar a sutileza da perspicácia humana. Meu único pensamento era de que ele, que acabará de nascer, tivesse a mesma honra que eu e contemplasse o semblante de seu primogênito no futuro e houvesse um ciclo sem fim.
Então tomei minha primeira grande decisão. Entrei para uma organização terrorista. Não havia outra escolha, não havia mais forma de continuar pagando o Jizya. Servi o intitulado califa e a suas vontades de corpo e alma, enquanto cabeça e coração permaneciam com minha mulher e filho.
Minha primeira provação veio pouco tempo depois. Fui designado a tirar a vida de um pobre homem, não muito mais velho do que eu. Não pude hesitar, mas hesitei propositalmente até o homem tranquilizar-se e acreditar que não teria seu direito de viver tomado pelas mãos de um ceifador a serviço de um deus. Então o degolei.
O degolei não como quem degola, mas como quem se tem vontade de libertar. Liberdade. O mesmo sentimento que me trouxera até aquele estado, também fora o sentimento que levara aquele homem para outro lugar. A liberdade transpõe barreiras, sejam elas ideológicas, morais ou físicas.
Contudo, a libertinagem do libertador impunha sem deliberar com o libertado. E isso foi o maior erro para uma organização que diz estar a serviço de deus. Quero te mostrar como o solucionei parcialmente e convidá-lo a juntar-se a mim. Mas a liberdade de escolha é sua.
Mas antes, quero retratar uma situação bem peculiar, que de longe chega a ser a mais árdua tarefa que a organização terrorista me delegou. Uma pobre criança pobre precisava ter seus membros amputados por roubar um pouco de comida de um comerciante local. Vi em seus olhos, os olhos de meu filho, que naquele tempo deveria ter mais ou menos a mesma idade e estatura. Então tomei minha segunda grande decisão, e por fim, abdiquei de vez a servidão.
Não foi uma tarefa fácil. Os desertores tinham suas famílias torturadas em praça pública, então nós precisávamos fugir para bem longe dali. Nunca me senti tão liberto. Fui ao encontro de minha família, para que fugíssemos, e o único motivador foi encontra-los bem alimentados e com saúde, como os deixei.
Me senti revigorado ao encontrar minha esposa como a deixei, e apesar da distância, ela ter permanecido fiel a mim. Mas tive um susto ao não encontrar meu filho. Como será que ele está? Pensei. Ela reconfortou-me dizendo que ele estava em uma mesquita, e logo iria retornar.
Fiquei ansioso por algum tempo e então ele chegou. E então, nós dois paralisamos. Ele era o menino, que duas semanas antes, eu deixara de torturar e amputar, e que me dera o impulso para buscar a real liberdade. Quarenta anos mais jovem do que eu, e me ensinou algo que eu jamais irei esquecer.
O real valor da liberdade. Liberdade não é submeter-se. Liberdade é simplesmente ser livre.