Caput V - Hannibal ad portas

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- Bom, não é nada demais. Eu só acho estranho que ela tenha uma só conta para tudo. É tão estúpido, porque é fácil de hackear - o rapaz da direita comentou enquanto lia o arquivo de Harriet Williams. Suas mãos estavam engorduradas enquanto seguravam um hambúrguer com mais katchupe e mostarda do que recheio em si. Apesar da bagunça em seu rosto e dedos, suas mangas e camisa continuavam livres de manchas. O que não era o caso do outro profissional de TI da empresa de comunicação.

- Seria mais estúpido ainda se fosse a mesma senha. Você tem seu plano de telefonia hackeado e de repente toda a sua grana do banco desaparece, seus serviços pagos bloqueados e você está sendo caçado em diversos estados por cheques sem fundo. - O rapaz da direita riu do exagero do colega, dando uma grande mordida em seu sanduíche.

Um pouco mais atrás, August Turner observava tudo discretamente. Continuava trabalhando, criando seu programa como se sua concentração não tivesse sido abalada. Sabia que mais tarde os erros apareceriam, mas seu cérebro estava ocupado demais memorizando a conversa e a ficha da ruivinha.

- Sem contar do histórico de uso - murmurou para o rapaz. O outro tirou os óculos, interessado mais na conversa do que em seu almoço. A ética estava sendo gravemente agredida.

- Conteúdo da pesada?

- Pior que não. Ela quase não para em casa, mal utiliza a internet do celular ou a televisão. Parece um fantasma, mas sua tarifa baratíssima sempre é paga no mesmo dia em que a conta é enviada.

- Fraude? - questionou, com as sobrancelhas erguidas em surpresa.

- Não, mas isso é suspeito - disse antes de abocanhar seu último pedaço. O rapaz da esquerda apenas continuou refletindo sobre isso.

August estava a mil por hora. Tais informações eram até que preciosas para ele, sendo algo que o ajudava a traçar no perfil psicológico de Harriet até algo que poderia usar contra ela, caso fosse necessário.

Você sabe o que dizem. Ficar preparado nunca é algo ruim.

- Mas por que suspeito? - questionou depois de um tempo. O rapaz da direita já não estava analisando a conta de Harriet, mas preparando para ser reconectado à rede para resolver o problema de um outro cliente. Continuou assim por alguns minutos.

Quando August achou que não fosse mais responder ou voltar ao assunto, o ouviu completar:

- A linha que diferencia entre ela e a fraude dos ghosts é muito tênue. Tem algumas pessoas que criam contas falsas para manter as aparências, usando identidades de mortos ou de pessoas que mal chegaram a nascer. São os ghosts. Se não forem bem observados, podemos até encarar de maneira errada alguns clientes.

- E para que eles fazem isso?

- Bom, para não ter seu nome no sistema. E assim você não é preso, não paga, pode deixar de existir a qualquer momento. E se tornar outra pessoa quando quiser.

- Isso é... - mas o homem da esquerda não pôde terminar sua frase, já que foi interrompido por um August muito sério.

- Antiético - o moreno completou. Os dois empregados estavam pálidos, olhando para August como se ele fosse um monstro que estivesse preste a mata-los. Um passo à frente e ele estava ainda mais ameaçador. Apoiou as mãos na mesa de trabalho de ambos e teve seus movimentos assistidos. - Compartilhando informações sigilosas para qualquer um ouvir, conversando sobre o perfil de um cliente e ainda ultrapassando o horário de almoço com conversa fiada. O que eu ganho para não contar ao chefe tudo que aconteceu aqui hoje?

Ainda estavam apavorados, mas os rapazes pareciam gratos por ter uma oportunidade de negociação de seu emprego e seu nome no ramo. Cuidadosamente, o rapaz curioso murmurou para o seu amigo:

Rasgue-meOnde histórias criam vida. Descubra agora