Capítulo Único

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Estava difícil de acreditar que veria o nascer do sol, pela primeira vez, a mais de nove mil quilômetros da sua terra natal. Havia chegado na tarde anterior, mas pela sua euforia e dos seus primos, que a receberam, não teve a oportunidade de fugir, para ver o pôr-do-sol, que naquela parte da Europa, pelo fuso horário e acréscimos, ocorria entre 20:30 e 21:00 hs. Mas nada lhe tiraria o prazer indescritível daquele momento. Nem sono, nem parentes... nada. Saiu do amplo apartamento, desceu as escadas correndo, ansiosa. Passou pela portaria sem olhar para os lados, visando a porta enorme de vidro, feliz por ter se lembrado de trazer as chaves, com as quais se atrapalhou um pouco. Era a expectativa, pelos muitos anos com que sonhara com esse momento. Para muitos os sonhos sempre ficam no plano material, mas para ela, eram momentos, sensações que "valiam mais que todo ouro do mundo", frase que usava muito. Parou olhando diretamente para frente, lá estava ele: o mar. Visualizou o pequeno percurso que faria: um lance de escadas, a calçada, uma rua de duas mãos, um calçadão e a faixa de areia, e lá estava o escuro e tranquilo Mar Mediterrâneo a aguardando. Respirou fundo a brisa quente da madrugada de verão e se esforçou a caminhar devagar. Olhou para os lados. Ao longe viu movimentos de carros, poucos, nada próximo que atrapalhasse seu momento. O coração? Batia tão forte e rápido, como lhe dizendo: "estou aqui com você, vamos passar por isso juntos!!". Chegou rápido na areia e tirou as sandálias de borracha, para sentir as pedrinhas que nas praias do mediterrâneo se sobressaem à areia. Caminhou em linha reta, até molhar seus pés, e se extasiou com a sensação inebriante. Sentiu-se menina outra vez, apesar de estar quase com cinquenta anos. Se abaixou e colocou as mãos na água morna, levou as mãos molhadas ao rosto e fez o sinal da cruz, como havia aprendido, bem pequenina. Fechou os olhas e fez uma oração de agradecimento: pela vida, pelas dificuldades, que a moldaram e a fizeram dar mais valor a tudo, pelas oportunidades, que aliviavam os momentos ruins, pela força que recebeu para chegar até ali. Fez o que achava certo: agradeceu, pois não mais sentia a necessidade de pedir nada. Tinha consciência de que se não fosse uma "força maior", não teria conseguido nada. Voltou alguns passos, até onde a água não a alcançaria e se sentou para aguardar o espetáculo tão esperado. O céu já mudava de cor, nuances violetas e azuis preenchiam o horizonte lentamente. Sentiu um arrepio, não de frio, foi mais como um pequeno terremoto interior. Seu lado esquerdo gelou e automaticamente se virou para esse lado. Viu então uma luz dourada, que estava distante na faixa de praia. Não conseguiu deixar de sentir uma certa irritação e curiosidade: o que seria aquilo? Iria atrapalhá-la? Mas no mesmo instante, ainda em sintonia com a oração que havia feito, cogitou a ideia de um sinal divino. Seu cérebro ultrapassou a velocidade de seu companheiro, o coração, na busca por uma resposta. De repente a brisa que balançava docemente seus longos cabelos castanhos, parou. O corpo aqueceu, suas mãos suaram e sem conseguir tirar os olhos da luz dourada em movimento, se levantou, virando para a esquerda. Instintivamente levou as mãos ao velho short jeans para secá-las e recebeu um choque, com o calor intenso delas. Abaixou o olhar e elevou as mãos . Se viu dourada, brilhante, quase incandescente. Não sabia se ria ou chorava. A vida inteira leu sobre magia, era seu tema preferido, para livros e pesquisas, em todas as suas formas, e sempre sentiu a verdade incontestável de que, realmente, "existe muito mais entre os céus e a terra, do que podemos ver ou explicar". Mas tudo, apesar de ansiado, sempre ficara no campo da fantasia. Agora, olhando para si e depois para a luz dourada que vinha lentamente em sua direção, teve que absolutamente colocá-la no campo da Realidade. Alguns segundos aguardando um "despertar", após um forte balançar da cabeça, como se isso fosse só uma visão de sua mente agitada e, nada mudou. Resolveu então, após um breve olhar para o mar, caminhar em direção à aquela luz, já que o mundo ao seu redor parecia congelado: nada de marolas na água, nada de brisa, nenhum som da cidade e o nascer do sol... seu sonho... paralisado. Entender isso era a única coisa a fazer e toda a ansiedade, deslumbramento e atenção daquele momento se voltou para seu caminhar, agora brilhante e quente em direção a luz... Luz? Não!!! Luzes!!!! Parou, fechou os olhos, respirou fundo e pensou por um instante. Prestou atenção, através dos seus sentidos, no ambiente, em si mesma e

tentou colocar os pensamentos e o coração em ordem, coisa que estava se tornando um desafio. Abriu os olhos e analisou o que via: primeiro sua própria luz e calor aumentava, à medida que caminhava. A luz que vinha, agora estava acompanhada de outras, menos brilhantes, mas não menos hipnóticas e intrigantes. Não sentia medo ou pânico. É, esses foram sentimentos que, até aquele momento, nem tinham passado pela sua cabeça. Voltou a caminhar e deixou o corpo relaxado, cada vez mais, a cada passo, se entregando de corpo e alma ao momento e à situação inusitada. Sempre vivera e se preocupara com tudo e com todos. Incentivou, chorou, sofreu, sorriu, se encantou, pelas pessoas, mas agora, seja lá o que acontecesse, seria só por ela e com ela. Limpou sua mente de tudo e se focou em percorrer a distância, cada vez menor. Quando conseguiu perceber que a luz tinha o formato humano, acelerou o passo involuntariamente, automaticamente. A luz parou e ela também, assim que puderam se olhar nos olhos. Já podia ver seu rosto, e que rosto... Baixou o olhar para suas próprias mãos, pés, pernas, braços e não conseguiu entender como não havia derretido, já que parecia estar em chamas. O lindo homem, era a luz mais brilhante, estendeu uma mão. Seu coração, que até aquele momento estava enlouquecido, martelando e machucando seu peito, se acalmou. Levou sua mão à dele. Perfeito... tudo pareceu perfeito, a brisa voltou mais suave e fresca, os sons da cidade despertando, a marola e o nascer do sol. O homem luz envolveu com a outra mão a sua cintura, fazendo com que se voltassem para o mar. E, enfim, pela primeira vez na vida se sentiu completa, perfeita, plena, amada e em paz. Não tinha perguntas, nada era misterioso, nada era inexplicável. Não se preocupava com nada, não precisava de nada para sorrir, para admirar, para se deslumbrar, ser feliz. Tudo já estava ali. Com os olhos no horizonte, o abraço daquele homem de luz, a companhia daquelas inúmeras luzes, entendeu que, diferente de todas as pessoas com quem convivera na vida. Ela só queria os momentos de contemplação para ser feliz. Ela só queria ser um Anjo.

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