Se eu dissesse que saí correndo você acreditaria?
Eu que sou a sombra das árvores justo quando começa a primavera, eu que sou o silêncio no lapso de tempo entre o breu e o amanhecer, eu que sou a pausa entre as notas musicais, que sou transparente como algo que não existe em realidade.
Eu não corri. Meus pés eram feitos de pedra e meu coração era feito de pó.
Eu não corri. Minha alma era feita dúvidas e minhas pernas de aço.
Eu não corri quando seus olhos se abriram no meio do beijo e fitaram os meus só pra constatar eu que seguia me desfazendo, que eu ainda era metade assim como meu nome, assim como meu coração.
Ele tinha a outra parte e não estava disposto a devolvê-la.
Quando se tem quinze anos geralmente nos preocupamos com a festa da garota mais popular no fim de semana, com encontros e saídas com amigos, com os deveres de casa e a média escolar, com esse ou aquele cara que faz seu coração saltar feito louco...
Eu me preocupava com as contas.
Depois que papai foi preso e sua empresa quebrou minha mãe tinha assumido as contas da casa, se com assumir podemos dizer que depois de alguns meses complicados o dinheiro finalmente começou a aparecer como obra de um mágico. Mamãe era esse mágico e ela jamais revelava seus truques.
No início as especulações sobre a vida da minha família eram tantas que eu poderia ter escrito um livro se tivesse sido capaz de assimilar tanta informação e brigar ao mesmo tempo pela dignidade que eu achava que tínhamos.
Eu desisti de brigar quando papai foi condenado e confessou.
O fato era que as suposições em torno a maneira como a minha mãe fazia pra conseguir dinheiro eram muitas e todas terminavam com a mesma resposta: Segundo quase todos na ESA minha mãe havia se convertido em uma prostituta de luxo e pelo o que a mim me consta eu também vendia meu corpo por dinheiro.
A verdade é que eu nem sequer havia beijado um cara na vida, mas as pessoas acreditam no que querem acreditar.
Depois de um tempo percebi que lutar contra os rumores fazia com que eu me tornasse um alvo ainda mais suspeito então só deixei que a cortina fechasse, que eu saísse do foco. Funcionava na maioria das vezes.
Na maioria...
Abri a porta de casa e o silêncio me recebeu. Minha mãe não estava. Ela nunca estava.
Joguei a mochila no sofá e me arrastei até a cozinha pra constatar que não havia nada para comer. Abri a geladeira e revirei as prateleiras até encontrar uma lata de atum, milho, maionese e pão de forma.
Sentei-me no sofá com meu patético sanduíche natural e liguei a TV justo quando Romeu escalava a bonita sacada de Julieta. Tinha lido Shakespeare mais vezes do que podia contar e não tinha me cansado. Eu amava a idéia de um amor retribuído mesmo que o mundo conspire contra. Talvez eu fosse tão arcaica quando Bethy Garcia. Talvez eu tivesse nascido no século errado, ou talvez minha alma fosse antiga... Tão antiga quando os livros que eu costumava ler.
Tinha terminado meu pequeno almoço e estava me preparando pra tomar um banho de no mínimo um século e limpar toda a pista do que havia sido meu dia, evidenciada no meu corpo e no meu uniforme, quando meu celular apitou no bolso da minha mochila.
Lili: "Você virá hoje a noite não é mesmo?"
Bree: "Você sabe qual é a resposta..."
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Bree (Degustação)
Teen FictionObra concluída e registrada na Dirección Nacional del derecho de autor em Buenos Aires, Argentina. Expediente: 5293877 Todos os direitos reservados (Livro e Capa). Livro a venda no Site da Editora Maresia: http://editoramaresia.com.br/ Ele era um...