Capítulo 1
Resgatada
Abri os olhos, relutante.
Encarei o branco envelhecido do teto do meu quarto, tentando fingir para mim mesma que não estava acordada. Fechei os olhos novamente, com força.
Já estava tão habituada a mentiras... Boa parte da minha vida menti para as pessoas. Todas as pessoas: vizinhos, melhor amiga, até para mim mesma mentia às vezes, só que neste caso era difícil ser tão convincente. A única pessoa que conhecia a minha verdadeira natureza era a minha mãe, Megan. Eu não era uma mentirosa porque queria, mas porque na época era necessário. Se contasse a verdade, metade das pessoas que havia conhecido me chamaria de louca e a outra de mentirosa. Então, fingia ser o que não era, fingia ser humana.
Deitada em minha cama velha, envolta em lençóis amarelos, recordava-me da conversa que tive com Megan anos atrás, a mais importante de todas. Depois daquela tarde, minha vida mudou, passei a enxergar tudo de modo diferente. Fui obrigada a isso. Tornei-me adulta aos 12 anos de idade.
Minha indignação começou aos 9 anos. Morávamos na Nova Zelândia. Eu amava o lugar, havia crescido ali. Durante uma noite, ela me acordou, já com uma pequena mala pronta, e me obrigou a ir embora com ela. Não pude me despedir de ninguém, abandonei para sempre meus muitos amigos, inclusive o melhor deles, Elliot. Após esse primeiro episódio de surto, minha mãe teve mais alguns. Nós nos mudamos muito, sempre para ilhas, e a cada mudança me tornava mais e mais revoltada.
Aos 12 anos surtei de vez. Naquela época, morávamos em Manhattan e eu queria viajar com minhas novas amigas para um acampamento de férias fora da ilha. Megan me proibiu de ir, sem justificativa plausível. O estranho era que ela raramente me negava alguma coisa. Eu tinha liberdade para passear dentro da ilha; sair dela, no entanto, era outra história. Depois de dias de tratamento de gelo vindo da minha parte, precisamente direcionado a Megan, ela se cansou e, em uma tentativa de fazer as pazes, me intimou a cuidar do jardim. Gosto de mexer com a terra; diferente de todas as garotas da minha idade, não me preocupo com unhas sujas, nem nada disso. Entretanto, naquele dia específico, não estava no clima. Aquele era o dia em que todas as meninas da escola partiriam para o acampamento.
Desci a escada do fundo da casa arrastando os pés. Pelo barulho que fazia, aposto que os vizinhos acharam que meus tornozelos estavam presos a uma bola de ferro pesadíssima. Íamos em direção à minúscula estufa no fundo do quintal. Já lá dentro, enquanto separávamos os materiais que precisaríamos, Megan mudou tudo o que eu achava que sabia sobre mim mesma:
– Sinto muito, Sofi, mas não posso arriscar a sua vida por algo tão bobo.
Nota: primeiras palavras que trocávamos em dias.
– Você está exagerando. Milhões de adolescentes vão todos os anos para lá e nunca ninguém morreu.
Megan me olhou de maneira diferente, com intensidade. Deu um profundo suspiro, como se tivesse perdido uma grande batalha.
– Certo, Sofi, você merece saber a verdade. Já está com 12 anos, não sei por quanto tempo ainda vamos continuar juntas. Não quero desperdiçar estes momentos brigando com você. Sinto que as coisas estão ficando mais perigosas para nós; a cada ano que passa, somos obrigadas a nos mudar mais rapidamente. Eles estão cada vez mais próximos, o cerco está se fechando. Tenho medo de que nos alcancem. Você pode ter de cuidar de si mesma; para isso, precisa conhecer a verdade.
Eu olhava para ela sem entender nada do que dizia; cogitei seriamente que Megan houvesse pirado de vez.
– Mãe...
– Aqui não! Vamos entrar e conversar lá dentro – ela olhou para os dois lados, como que para se certificar de que estávamos sozinhas. – Deixe tudo aí, depois a gente arruma. Venha, não posso mais continuar protegendo você da verdade, tenho que contar tudo, agora!
