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— Caleb? Caleb!

  Pisquei, saindo do meu estado de inércia e voltei a minha atenção para a minha mãe, ela estava com aquela ruga de preocupação bem no meio das sobrancelhas, me olhando muito preocupada.

— Filho, você não me contou o que está acontecendo até agora, estou ficando cada vez mais preocupada com você!

— Não sei o que está acontecendo mãe, dá pra acelerar, por favor?

 Ela acelerou o carro ultrapassando vários veículos a nossa frente. Eu não conseguia pensar em mais nada só que tinha de chegar naquele bendito hospital o mais rápido possível, a voz aveludada de Melody misturada com uma generosa pitada de dor e angustia ainda assombrava os meus pensamentos, ela precisava de mim, ela precisa de mim tanto quanto eu estou com medo de chegar tarde de mais.

 Assim que o chegamos na porta do hospital sai do carro, minha mãe correu atrás de mim, eu sentia o peito queimar, tinha corrido tanto que mal percebi o quão sem fôlego estava. Fui até o balcão onde uma enfermeira, jovem, devia ter uns vinte anos, me olhou com preocupação.

— Melody Hollys Wiston... Onde ela está? — disse ofegante.

  A enfermeira me fitou por alguns minutos assustada, e depois digitou algo no computador, observou e voltou-se para mim.

— UTI, segundo andar...

  Não esperei a enfermeira acabar de falar e logo estava correndo até os elevadores, mas aquela droga não descia nunca, procurei por escadas e assim que avistei a porta vermelha sinalizada com saída corri e a abri. Talvez eu nunca tenha subido escadas tão rápido assim, meu peito ardia por causa da falta de ar e eu nem ligava.

  Assim que cheguei ao andar abri a porta e me deparei com um corredor pouco movimentado e bastante silencioso, se não fosse pelo choro baixinho que ouvi vindo do lado sul do corredor. Eu estava ofegante, mal conseguia respirar, a cabeça rodava, olhei para a direção em que escutava os choros e vi um casal abraçado sentado numa poltrona onde deduzi ser a sala de espera, a mulher tinha cabelos ruivos e estava encolhida, tão encolhida que não consegui ver o seu rosto, mas eu sabia a quem aqueles cabelos pertenciam e isso foi um golpe duro. A mãe de Melody estava aos prantos mas parecia tentar abafar o choro para não acordar os pacientes, o pai de Melody a abraçava mas diferente dela não chorava, trazia no rosto uma expressão horrível, por um momento o medo dá espaço ao terror.

  Forcei meus pés a se moverem e assim que cheguei perto dos dois a mãe de Melody levantou a cabeça.

— Do-Dona Abigail? – gaguejei, o nó na garganta ficando cada vez maior.

— Caleb — ela murmurou.

— A Melody tá legal?

  Assim que disse o nome da sua filha ela voltou a chorar, dessa vez mais violentamente, os soluços eram de cortar a alma, escondeu o rosto nas mãos e se encolheu de novo. Olhei para o pai de Melody e ele se levantou.

— Vem garoto, vou te explicar – disse, a voz grossa de preocupação, tinha o rosto de um homem em agonia, mas que mantinha a compostura.

  Ele indicou o final do corredor com a cabeça e fomos nos afastando do som de uma mãe agonizando e em desespero. Quando estávamos finalmente no final do corredor o pai de Melody me olhou, os olhos cinzas estavam mais escuros, como se a tempestade tivesse tomado maiores proporções.

— Caleb, a Melody teve uma crise... — ele pigarreou e respirou fundo — Começou a tossir sangue.

 Senti todo o meu corpo congelar, o mundo meio que parou.

Sangue.

— Melody não deve ter te contado ainda, mas há dois anos descobrimos que ela tinha linfoma, o tumor se desenvolveu lentamente e por isso não percebemos os sintomas, mas conseguimos tratar a tempo com a quimioterapia e a radioterapia, mas todo procedimento tem seus riscos e um deles era a probabilidade de Melody desenvolver outras doenças como a leucemia, e foi isso que aconteceu, o câncer já tomou parte do corpo dela assim como o seu pulmão.

 Sabe quando parece que a realidade é só um sonho? Você não consegue distinguir se é um tipo de pesadelo mesclado com um circo de horrores ou vida real, ou quando o mundo parece explodir em milhares de pedacinhos que ficam flutuando no ar e depois todos eles se juntam novamente e te perfuram como cacos de vidro?

 Eu não conseguia raciocinar direito, não conseguia nem respirar, parecia que o sangue dentro de  mim tinha congelado.

 O mundo parecia algo bem distante.

— Caleb, você vai ter que entender uma coisa, agora Melody está no ultimo estágio, ela é uma paciente terminal, e ela gosta muito de você, você é tão importante pra ela que foi a única pessoal para qual ela pediu ajuda antes de desmaiar... E por isso eu te peço, por tudo que é mais sagrado não a faça sofrer mais do que a doença fará.

  Engoli o choro que começou a se formar dentro do meu peito, pisquei tentando conter as lágrimas e trinquei os dentes, apenas concordei com a cabeça.

— Ela está bem agora, quer dizer, a medida do possível, estamos aqui desde quatro horas da manhã.

— Eu-eu posso vê-la? – minha voz saiu baixa e rouca, exatamente como a de alguém que está segurando o choro.

— Vou pedir para que a enfermeira o deixe entrar, mas não creio que seja possível.

  Apenas concordei com a cabeça.

  Depois de implorar muito a enfermeira deixou e me guiou até o quarto de número quatorze.

  Eu não estava preparado para o que veria e senti o mundo desabar aos poucos quando vi Melody ali deitada, estava pálida, muito pálida e o corpo parecia frágil, vários aparelhos estavam ligados a ela por meio de fios monitorando seus sinais vitais, respirava também com a ajuda de aparelho, estava dormindo como um anjinho, os olhos rodeados por fundas olheiras.

  Forcei meus pés a dar os próximos passos.

  Minha cabeça repetia as palavras paciente terminal e câncer sem parar. Eu ainda não conseguia assimilar essas duas palavras ao nome Melody, parecia até uma brincadeira de péssimo gosto.

  Peguei em sua mão direita, estava fria, parecia sem vida. Tudo em mim doía, meu coração estava sendo apunhalado cada vez que ouvia o barulho dos aparelhos que estavam ligados a ela.

  E foi nesse momento que eu soube o quanto eu gostava dela, porque eu sentia que um pedaço de mim estava morrendo. Ao contrário do que muitas vezes vi nos filmes, não descobri que sentia algo mais do que forte por ela depois de um primeiro beijo e sim quando a vi tão vulnerável.

  Com lágrimas nos olhos lhe dei um beijo na testa com bastante cuidado para não a despertar de seu sono e sussurrei:

— Eu estou aqui Mel, por você, por favor fique melhor logo... – estava com a voz embargada — Nós vamos completar a sua lista o.k? Só não me deixa aqui... sozinho.

  Agora eu sabia pelo que ela sentia muito.

  Ela estava morrendo.

  Cheguei em casa de madrugada, minha mãe tinha voltado pra casa antes de mim assim que soube que Melody estava melhor mas eu continuei lá até que o pai dela me disse que era melhor eu ir pra casa e que se ela acordasse iria me ligar.

 Minha mãe não tinha dormido ainda, estava deitada no sofá enrolada em um cobertor velho, quando ouviu o barulho da maçaneta e me viu lançou aquele olhar preocupadíssimo

— Caleb? – levantou do sofá e veio até mim — Já descobriram o que ela tem?

  Afirmei com a cabeça, eu não queria pronunciar a palavra câncer, não mesmo, e aquilo me feriu mais ainda por dentro, como se tivesse jogado sal em uma ferida que nunca iria cicatrizar.

  O nó na garganta ficou maior e maior e de repente um soluço escapou e depois outro e outro, minha mãe me abraçou e eu comecei a chorar como uma criança que tinha acabado de perder um brinquedo favorito.

Querida MelodyOnde histórias criam vida. Descubra agora