Estranho

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Ele cheirava bem. Melhor do que se lembrava.
A última vez que sentiu seu cheiro assim tão de perto, fora cinco anos atrás, quando ele estava se despedindo dela no aeroporto. Ela respirou fundo para guardar bem o cheiro dele, e agora, anos mais tarde, ele continuava com o mesmo cheiro delicioso.
- Não me solta! - Reclamou, quando ele fez menção de tirá-la de seu colo.
- Calma pequena, não vou fugir - A apertou e ela sentiu os olhos queimarem.
Pequena... Por Deus, como sentiu falta disso.
- Por que está chorando? - Ele Questionou preocupado - Te machuquei?
Imaginou ter apertado demais, mas ela o apertou de volta.
- Não, só estava com muita saudade - Sua voz saiu trêmula - Você demorou muito.
- Eu sei, eu sei - Balançou o corpo, de modo que ela parecia ser ninada.
- Por que parou de escrever? - Usou a pouca voz que lhe restava para finalmente perguntar aquilo que estava agarrado em sua garganta.
- Eu te escrevi sim! Mas você nunca mais me respondeu! Sua última carta estava escrita com caneta preta e estava tão borrada que mal pude ler.
Ela descansou a cabeça em seu ombro suspirando. Merda.
- Depois eu te explico. O que você precisa saber é que eu escrevi sim, todos os meses.
Ele sabia que havia algo errado, ainda mais por do nada, ela ter ficado quieta assim.
- Pequena, você ainda é menor do que eu, mas osso pesa ok? - Brincou, mesmo que ela fosse tão leve que poderia ficar com ela no colo por horas sem sentir dor.
- Ah sinto muito - Riu e soltou as pernas, pousando graciosamente no chão a sua frente.
Apesar de ter crescido, Anahi agora com quinze anos continuava consideravelmente mais baixa que Alfonso. Mas agora estava esbelta, a calça jeans um pouco frouxa e a camiseta larga do Snoopy só disfarçavam. O rosto continuava como o de uma criança de dez anos, mas agora estava com luzes e os olhos estavam extremamente azuis, denunciando sua felicidade por ter o amigo ali.
Instintivamente, ela torceu a barra da camisa do amigo no dedo, como sempre fizera.
- Está bonito Poncho - Falou simplesmente.
Por algum motivo, ele não respondeu.
Havia algo diferente nela. Não só estava linda, mas havia algo mais, e ele não soube dizer o que era.
O pai o chamou em algum momento, alegando que iria dormir e que poderia ficar o tempo que fosse acordado. Foi aí que se deu conta de que seus avós já não estavam na sala, os tios partiram levando o pequeno Guilherme e os amigos estavam na porta se despedindo.
Deus, quanto tempo havia se passado?
- Poncho?
Se virou para ela, e ela lhe sorriu. O meigo sorriso ainda estava ali, doce e gentil. Mas até mesmo no sorriso havia algo mais que ele não soube dizer o que era.
- Está bem? Parece avoado
Ele sorriu - Estava com saudades.
A loira pulou mais uma vez nele, prendendo os braços seu pescoço e se pendurando - Eu estava morrendo de saudades de você. Sabia que está com sotaque?
O outro riu. Ela sempre gostava de fazer comentários aleatórios - Sim, falei inglês por cinco anos, é normal ter sotaque.
- Deus, sou horrível em inglês. Quase fui reprovada acredita?

No resto da noite, ele deixou que ela falasse. Era uma verdadeira tagarela, contando sobre como perdeu seu hamster, como ganhou um peixe e o matou no copo de café sem querer, comentou as notas de uma verdadeira nerd, apenas em inglês ela passava com muita ajuda. E com ajuda ela queria dizer colar. Comentou que seus pais ameaçaram tirar seus livros da estante do quarto, depois que o móvel quase caiu em sua cabeça durante a noite, devido ao grande peso de livros. Falou mais sobre seus amigos, parte que Alfonso pessoalmente não gostou de saber, principalmente sobre o amigo Cristian, que seria seu segundo melhor amigo. Quando cansou de ouvir as palhaçadas que faziam juntos, perguntou de seus pais e Martina, sua irmã mais velha que teria ido morar com a avó no campo por algumas semanas.
Do nada, ela parou de falar e fitou o vazio.
Ela suspirou com os olhos úmidos - Ela sofreu um acidente quando estava voltando pra cá.
- Que acidente? - Perguntou segurando sua mão.
Não conhecia Martina muito bem, só sabia que tinha mais ou menos sua idade e que teria ido morar com a avó em uma fazenda de minas gerais, já que a mesma estava morando sozinha.
Anahi contou que um motorista bêbado bateu o caminhão no ônibus que ela estava, deixando, de todos os 23 passageiros, apenas um vivo. O acidente fora tão feio que Martina teve um velório de caixão fechado.
Sem saber o que fazer, ele a pegou no colo e a deixou ali uns minutos.
Mas logo os minutos se tornaram horas, e com elas vieram a manhã de domingo.
Ambos haviam dormido e Alfonso só acordou com a porta da frente batendo, quando seu pai chegava de uma corrida matinal.
- Desculpe, não quis acordar vocês.- Disse tirando o tenis de corrida e deixando ao lado da porta.
- Tudo bem, dormi bastante no avião, não estou cansado.
Ele apenas assentiu e desapareceu pela escada.
Anahi murmurou algo, mas não demonstrou acordar. Apenas se aconchegou melhor nos braços do amigo, enquanto ele esfregava as costas da mão nos olhos.
Era estranho estar novamente naquela casa, ainda mais com a amiga que não via há 5 anos. Mas era uma estranheza boa, algo que o reconfortava. Como se dissesse que aquele lugar ainda era sua casa e aquela garota ainda era sua irmã e melhor amiga.
A olhou, agora maior do que anos atrás, mas ainda permanecia com o rosto de criança e o jeito meigo de franzir a testa enquanto dormia.
Não demorou muito até que ela acordasse e começasse a tagarelar como sempre fizera.
Acabou descobrindo que ela agora jogava vôlei e nadava quando estava frustrada. Coisa que era novidade, já que, apesar de ser elétrica para brincar com ele, ela nunca se dispunha para esportes.
- E você Poncho? Me conta da sua vida lá - Ela pediu devorando o biscoito que ele lhe dera a pouco.
- Bem... - Ele raciocinou. Era estranho falar dele para a pessoa que mais o conhecia, e ainda mais agora que as idades faziam tanta diferença. Ele estava com 21, enquanto ela tinha 15. Era estranho se abrir para uma adolescente. - Eu estou morando com mamãe, trabalho junto com ela na agência de publicidades. Ela agora é sócia da empresa, possui uma parte pequena, mas lucra bastante.
Citou mais alguns detalhes de seu trabalho, como seus colegas, o que fazia. Aparentemente, para uma adolescente de 15 anos ouvir sobre Marketing e Publicidade não era lá grandes coisas, mas ela parecia querer ouvi-lo de uma forma ou de outra.
- Fico feliz que viva bem por lá Poncho. Mas assumo que ainda gostaria que voltasse a morar aqui... - Soltou.
Ele puxou uma de suas mechas loiras - Pequena, minha mãe precisa de mim por lá e eu tenho toda a minha vida ali. Não posso largar tudo e vir.
- Eu sei mas... - Suspirou pesadamente e apoiou a cabeça em seu ombro - Eu sinto sua falta.
Ele a acomodou melhor em seus braços - Eu também sinto a sua, mas ainda pode ir me visitar lembra?
Ela apenas deu de ombros, como se dissesse "tanto faz, mas eu ainda prefiro a minha ideia".
- Any, eu queria saber uma coisa
- Fale - Ela enrolou a barra da camisa dele em seu dedo.
- Por que não respondia mais as minhas cartas? Eu continuei lhe escrevendo todos os meses.
- Oh - Ela parecia espantada - É que, eu passei um tempo fora. Não estou morando aqui.
Lhe fez um resumo, explicando que após a morte de Martina, sua avó precisava mais ainda de ajuda e seus pais decidiram que iriam mandá-la morar com ela. Na última carta que ele havia recebido, escrevera o novo endereço para que recebesse suas cartas, mas devia ter chorado tanto no papel que não o deixou decifrável.
Depois de sua explicação, Alfonso se lembrara de um detalhe que fez toda a diferença para que tudo se complicasse mais: Ele também havia se mudado, para Toronto com a mãe.
Assim, nenhum dos dois poderia se comunicar com o outro.
- Bem, agora pode pegar meu e-mail, já que estou sem celular por lá. - Ela falou mais animada.
- Vai ser melhor. Mas eu ainda queria saber onde vão parar as cartas que nunca chegaram...
Ela pareceu refletir. Não havia pensado nessa hipótese.
- Minha antiga casa está vazia. Meus pais resolveram que não iriam abrir até que superassem o luto. Então todas as suas cartas devem estar lá - Ela saltou do sofá puxando-o - Vamos lá ver.
Correu a sua frente, ainda puxando-o por um dos dedos.
Quem a visse diria que era bipolar. Numa hora em que falava da falecida irmã mostrava-se o luto, enquanto no segundo seguinte, estava alegre e saltitando pela rua, quase que como uma criança. Mas aquilo lhe era perfeitamente normal.
Deus, quando foi que se acostumou a viver sem essa mudança de temperamento e a animação dela?

Eu Juro - AyA (Pausada)Onde histórias criam vida. Descubra agora