Julho VIII

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A experiência não deu muito certo – mas pelo menos eu tentei!

Menos de cinco minutos depois, enquanto eu pedia pra Maria Eduarda colocar mais molho no meu cachorro-quente, Daniel se materializou do meu lado, branco feito um fantasma. Percebi com espanto que iria me xingar, coisa que nunca fazia, e já me aprontei para dar explicações.... Mas ele respirou fundo e simplesmente se afastou, me deixando terminar de pegar a comida.

Ainda fui na barraquinha do pé de moleque, sozinho, porque o Dani se manteve afastado. Quando me dei conta, tínhamos nos desencontrado no meio da multidão. Mandei uma mensagem dizendo pra nos juntarmos para comer, mas ele disse que tinha perdido a fome e que ia só tomar alguma coisa, um refrigerante talvez.

Senti que tinha estragado tudo, então tratei de comer meu cachorro-quente e guardar os pés de moleque nos bolsos apertados da calça jeans como pude. Sander ia ter que se contentar com uns farelos...

Encontrei o Daniel ao lado da barraca das fichas, debruçado na grade que dividia a quadra da parte gramada ao redor. Ficamos em silêncio até eu pedir desculpas. Ele não se manifestou, o que me deixou meio nervoso e me fez começar a falar sobre ele ter aceitado minha ajuda, sobre eu ter interpretado que a Larissa seria uma boa opção... e como isso automaticamente me livraria dela.

Afinal, se a Larissa ficasse com o Daniel, ela me jogaria pra escanteio e me deixaria curtir o Sander sem ter que me preocupar. Um pensamento egoísta, eu sei, e admiti isso em voz alta pra ele também, num momento de humildade que arrancou um riso do Daniel.

Quando parecia que tínhamos voltado às boas, lancei, sem noção alguma:

– Mas ela não te interessa? Quero dizer, a Larissa é linda. E cê viu aquele vestido? Cara, ela só pode estar de brincadeira...

Ele suspirou, me fazendo parar de matraquear.

– Sinceramente? Não me interessa nem um pouco. – e me olhou de soslaio enquanto minhas sobrancelhas subiam. Vi seus olhos se revirarem, impacientes. – Quantas meninas você conhece que ficaram comigo, Renan? De todas as vezes que a gente saiu junto, de tudo o que você sabe de mim desde que cheguei aqui...

Enquanto ele falava, meu cérebro ia raciocinando. Eu me lembrava vagamente de uma ocasião em que havíamos ido numa boate, uns dois anos antes... Uma das primeiras vezes que saíamos todos do time juntos.

Éramos muito novos. Tínhamos 14, 15 anos... Não saíamos pensando em pegar ninguém, sabe? Só acontecia. E acontecia com todo mundo, uns com mais frequência que outros, é verdade.

– Uma vez. – chutei, e ele confirmou. O silêncio que se seguiu depois me deixou surpreso. – Espera, foi uma vez?

– Sim.

– Sério?

Ele assentiu novamente, me deixando processar a informação.

Então o Daniel só tinha ficado com uma menina uma vez? E ninguém notara esse detalhe!? Digo, eu nunca tinha notado... Deve ser porque ele é quieto naturalmente. Talvez por isso ninguém nunca cogitou perguntar porque ele nunca ficava com ninguém, ou porque não ouvíamos nada sobre o assunto.

Ou talvez tenha sido só nossa preocupação com nossos próprios umbigos mesmo.

– Não dava – ele murmurou, respondendo aos meus pensamentos. – Não dá.

Uma pessoa passou gritando por nós, nos fazendo encolher. A fila da barraca das fichas estava aumentando, eu reparei. Daniel continuou de costas enquanto eu me virava e encarava a multidão com os cotovelos na grade. Quando ficamos sozinhos novamente, soltei:

– Então você é, hm, 100% gay.

Ele deu de ombros e continuou olhando o gramado na penumbra.

Não era bem uma pergunta, eu tava só expondo minha conclusão, mas o Dani respondeu:

– Sim – e completou, sem mais nem menos: – Você não é.

A afirmação me pegou desprevenido.

– Você é bi. – e continuou, sábio. – Ou talvez pan, não sei...

Pan..? Quê?!

Daniel riu do meu espanto e, como um professor, me explicou o que aquilo significava:

Pansexual quer dizer que você se atrai por pessoas independente do sexo ou gênero... Entendeu? Isso inclui homens, mulheres, transexuais, transgêneros...

Ele deixou a reticência no ar pra ver se eu encaixava as coisas. Demorou uns minutinhos, mas acho que peguei a noção da palavra. Nunca tinha ouvido falar dela, porém, e não me senti muito confortável com a parte dos "trans"... Tudo bem, era um prejulgamento meu mesmo, já que não tinha experiência alguma nesse ramo, se é que me entende, mas mesmo assim. Não me soou confortável.

Acho que minha expressão denunciava meus pensamentos, porque o Daniel riu mais uma vez e bateu o martelo:

– Definitivamente bi.

E suas palavras pareciam bastante sábias de novo, mesmo o tom sendo de brincadeira. Cocei a cabeça em silêncio enquanto ali dentro as engrenagens se encaixavam.

A verdade é que nunca tinha parado pra pensar em títulos, ou rótulos. Digo, claro que em algum lugar na minha mente eles surgiam, mas ficavam por lá... Isso não me incomodava, não me incomoda, aliás. Não é sobre isso que eu tenho que pensar, eu acho, né? "Ah, tô ficando com um cara, então sou gay"... Pensando, porém, era óbvio que nunca deixei de admirar menina alguma, ou pensei que ficaria só com outros caras dali pra frente.

A prova tava ali. A Larissa era super gata, não tinha como negar. E aquele vestido tava espetacular nela... O único problema era que ela tinha chegado num momento em que eu não tava a fim – fora o fato de que, infelizmente, assim como sua roupa, ela também era muito grudenta. Definitivamente não ia rolar, com ou sem a presença do Sander na minha vida.

Mas o Dani não pensava assim – aliás, ele não se sentia assim.

Ele não conseguia enxergar a Larissa com o mesmos olhos que enxergava o Luiz Eduardo, por exemplo.

E isso fazia todo o sentido e toda a diferença.

O que me deixava com um pequeno problema nas mãos: se eu quisesse "ajuda-lo" a esquecer o Luiz, teria que dar uma de cupido com outro cara. E eu não conhecia alma gay masculina alguma – pelo menos não "assumidamente", digamos.

Isso me fez pensar se mais alguém do colégio se encaixaria nas definições que ele descreveu pra mim... Bi, pan, gay. Já tínhamos tido palestras sobre o assunto – me lembro do começo do ano, quando falamos sobre diversidade e tolerância. Mas será que mais alguém realmente cogitava que dava pra ser outra coisa que não 100% hétero? Digo, de verdade, não só nas palavras? Ou não só atrás dos muros, ou entre quatro paredes?

Será?

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