Setembro I

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Nós perdemos o campeonato intercolegial daquele ano, pela primeira vez desde que havíamos entrado naquela rede de escolas. Mesmo tendo pontos suficientes para sermos campeões, não fazia sentido. Nosso goleiro estava numa cama de hospital, então o time todo resolveu se retirar da competição – e o acordo foi mútuo, inclusive partindo do próprio capitão.

A taça foi entregue para o time do Misael e fez a alegria da escola dele durante mais de um mês – ele nos mandava fotos e zoações pelo WhattsApp frequentemente.

Ninguém ficou sabendo da situação do meu pai, só o Sander, pra quem eu mesmo contei naquele dia. E sabe de uma coisa? Isso tudo que aconteceu com a gente não foi algo ruim. Era bom não ter o senhor Nelson Souza em casa, viu? Não havia bronca por ficar acordado até tarde na internet, ou ouvir música alta, assistir filmes de madrugada... Nem cobrança pelas notas ou conversas sobre os estragos que o álcool pode fazer ao nosso corpo.

Não em casa pelo menos. Na escola a história era outra.

A situação do Joel alavancou uma emergência por parte da direção. Toda semana era um trabalho extracurricular diferente sobre drogas, saúde, alcoolismo, direção perigosa, gravidez indesejada... Parece que estavam esperando algo do tipo acontecer pra tirar da gaveta todos aqueles "temas problemáticos de adolescentes".

A escola nunca tinha passado por nada parecido – o prestígio da instituição estava em jogo, era isso o que víamos os professores comentar aos sussurros nos corredores. Eles tinham que fazer algo, e o que estava ao alcance eram as inúmeras palestras e cartilhas que distribuíam todos os dias pra gente.

As coisas também mudaram entre o pessoal do time. A gente não conversava mais, não havia mais piadinhas sem-graça – e, quando havia, eu nunca estava por perto para perceber. Aquele fundo de verdade que todas as piadas têm agora estava sempre na superfície, visível pra todo mundo.

A gente se evitava, essa era a real. Ninguém queria conversar, e ninguém queria ir ao hospital – nós não tínhamos visitado o Joel uma vez sequer, cada um dando uma desculpa diferente. Eu mesmo não me sentia confortável com a ideia, mas sabia, lá no fundo, que devia ir. Ele faria isso por mim, eu tinha (quase) certeza. Só me restava achar o momento certo, antes que fosse tarde demais... Digo, a situação dele era estável, mas coma era um troço muito perigoso - até a palavra assustava! Ainda mais porque os órgãos dele tinham sido afetados no processo, de acordo com o boletim médico que foi repassado à escola nas semanas seguintes.

Acho que a gravidade da situação fez a gente ficar sem reação, saca? Todo mundo vivendo na indiferença...

Na hora do almoço, a Nat e as meninas tentavam levantar o ânimo da galera, mas vez ou outra as brincadeiras escorregavam para temas mais sérios e a gente se reprimia na hora. Andávamos na corda bamba, cada um se segurando como podia.

Os gêmeos foram castigados pelos pais e passaram a almoçar com o progenitor todos os dias, aparentemente sendo até introduzidos nos negócios da família, sei lá. Algo assim. Só sei que não os víamos com tanta frequência, ainda mais por serem uma série mais avançada que a nossa.

Isso não deveria importar tanto, mas, consequentemente, o Sander se sentia esquisito de andar conosco porque éramos do segundo ano e poucos de nós realmente gostavam dele, vamos ser sinceros. Ele ainda almoçava com a gente, mas nem sempre; o pessoal com quem ele costumava estudar o rebocava para a biblioteca, a sorveteria, a praça... Eles se importavam com ele mais que o resto do time de futebol, convenhamos, então eu ficava de longe, chupando dedo, quase que literalmente. Nos falávamos todos os dias, o tempo todo pelo celular, mas não era a mesma coisa. Eu precisava que alguém me segurasse, sentia falta do gringo fazendo isso. E o Daniel, que seria o estepe, digamos, não estava lá muito bem das pernas também e comentava, vez ou outra, que o Sander devia aparecer mais porque também sentia falta dele.

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Onde histórias criam vida. Descubra agora