– Vocês estavam se beijando...?
Uma meia hora depois, todos devidamente sentados na mesa da cozinha, cada um encarando um prato de macarrão ao molho quase intocado.
A pergunta veio do Lucas.
Eu e o Sander respondemos ao mesmo tempo:
– Sim.
– Não.
O sim veio dele, o não veio de mim.
Nós nos entreolhamos meio desesperados e frustrados e o gringo soltou, num fôlego só:
– They saw us!*
(*Eles nos viram!)
– Quê?! – meu cérebro deu um nó, não entendi porcaria alguma!
Não havia notado ainda que o Sander sempre volta pro idioma materno quando tá nervoso, ou quando quer falar mais sinceramente... Não sei explicar. Mas é como se no nosso idioma "íntimo" as coisas soassem mais... sinceras. E ele havia ficado tão perplexo que saiu automaticamente, eu acho.
– Uau! Ele fala inglês mesmo! – o Miguel se empolgou, ignorando momentaneamente o desconforto do ambiente.
– É lógico que fala! Ele é inglês, ué! – o Lucas rebateu.
– Inglês não, americano! – o Sander contestou, levemente chateado pela nomenclatura.
Nós quatro nos encaramos depois da onda repentina de falas aleatórias. O intercambista suspirou do meu lado e esfregou a testa com as mãos.
– Lucas, – ele começou, parecendo cansado. Eu não sabia como reagir nem como ajuda-lo na nossa defesa. Engoli seco, percebendo que o gringo buscava minha aprovação com o olhar. – escuta... Quando você gosta muito de alguém, você... a gente, às vezes, não abraça e beija a pessoa?
Ele falava bem devagar, como se estivesse escolhendo as palavras – ou talvez fosse só o medo do inglês atropelar tudo de novo. Ou as duas coisas juntas, vai saber.
– Sim. Mas não beijo na boca. – Lucas retrucou e me olhou rapidamente. – E quando dois homens se beijam é coisa de veado.
O gringo ficou branco feito papel. Não sei como ele conhecia aquele palavreado – nem o Sander, nem o Lucas – mas meu sangue ferveu e me estiquei na mesa pra ficar cara a cara com seu pseudo-irmão mais novo.
– Quem te disse isso? – mantive a voz firme pra não gaguejar, mas sem efetivamente demonstrar toda a raiva que eu sentira ao ouvir a nomenclatura que ele usara. Lucas me fitou com certa apreensão, notando minha veia pulsando de raiva no pescoço. – Você sabe do que tá falando? Aliás, isso era pra ser ofensivo? Porque, fala sério, não faz sentido! E outra: você beijar alguém é algo ruim por acaso? Que eu saiba, beijo só significa coisa boa. Qual é o problema de beijar? Homem, mulher, cachorro, papagaio? – o Miguel deu uma risadinha, mas voltou a ficar sério, prestando atenção em mim. Então me dirigi a ele também. – O beijo das outras pessoas tá te machucando? Tá te fazendo algum mal? – os dois fizeram que não com a cabeça. – Ótimo, porque eu também acho que não. Você vê alguma diferença entre ver dois caras se beijando, ou duas meninas, ou um cara e uma menina? Aliás, vocês já tinham visto por acaso? Agora que viram, não é a mesma coisa o que todo mundo faz? Não é beijo do mesmo jeito?
Houve um minuto de silêncio. Literalmente.
– Eu acho que é a mesma coisa. – meu priminho se convenceu, me enchendo de orgulho, tanto que eu quase me esqueci que tava passando um sermão nos dois.
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Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}
Teen FictionNo segundo ano do ensino médio, ninguém espera mais novidades na escola. Os novatos são velhos conhecidos e os veteranos do último ano são amigos de longa data. A então inesperada chegada de um intercambista causa um alvoroço nos alunos e um empasse...