VINTE E QUATRO

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Não costumo gostar muito de domingos, ainda mais quando está frio. Diferente da Gabi que já acordou pulando de animação, se jogou na minha cama, apertou o bumbum da Julie para provocá-la, deu risada sozinha... E tudo isso porque o Henrique confirmou sua presença no churrasco!

− Sério mesmo que você não vai rolar de felicidade comigo? O Isaque também vai!

− Vou... assim que você me deixar voltar a dormir, tenho ainda 2 horas para aproveitar. Vai lá tomar seu café da manhã...

− Devo usar aquela jaqueta verde que a sua mãe comprou para mim, com a saia jeans e a bota de cano alto que tem um salto? O que acha?

− Acho que vou ser a favor da violência se você não me deixar dormir...

− Rabugenta! Por isso chegou nessa idade sem namorado, vai virar aquelas velhas solteironas com mil gatos pela casa.

− E não terei mais prima, porque a sufoquei com travesseiro.

E de novo ela se joga na minha cama e me empurra para o lado para deitar comigo.

− Será que hoje eu terei meu primeiro beijo, Sôfi?

− Acho que sim, Gabi, só que você tem que colaborar, né?

− Com o quê? Você acha que eu deveria escolher outra roupa?

− Não, a roupa está perfeita, acho que você deveria ter amor à vida, e me deixar dormir!

− Sôfi?

− HUUUM...

− Tenho uma coisa para te devolver.

− Depois você devolve. Ou guarda aí no armário.

− Não, não, isso é importante.

Então ela levanta, pega um envelope e me entrega.

Abro e vejo duas notas de R$ 50,00.

− O que é isso, Gabi?

− Eu vendi o colar pela internet. Não consegui o mesmo valor pelo qual o comprei, mas é seu...

− Não precisava ter feito isso, Gabi. Você amava aquele colar.

− Mas eu amo mais você, e eu sei que o que eu fiz foi muito errado. Eu não sei o que passou pela minha cabeça, eu estava muito confusa, sabe?

− Mas agora você está bem. Indo à terapia, sendo acompanhada pela psicopedagoga, até seus pais procuraram ajuda, e agora tudo voltou ao normal.

− Acho que vou contar para a diretora que eu pichei a parede da escola...

− Eu posso ir com você, se você quiser. Podemos até comprar tinta e nos oferecermos para pintar, foi só um pedacinho mesmo... Mas, Gabi, posso te fazer uma pergunta?

− Pode.

− Por que você ia lá rabiscar a parede?

− Não sei, sempre achei esses pichadores vândalos, mas a minha dor era tanta que eu queria colocar para fora de alguma maneira. Minha cabeça doía durante as aulas, eu nem conseguia escutar o que a professora falava, aí eu ia até lá e tentava por para fora tudo o que eu sentia, mesmo sabendo que era errado. Foi um momento onde eu não conseguia escutar meus pensamentos. Eu tinha a impressão que estava um barulhão lá dentro. Mas agora eu me escuto, e eu mesma me tranquilizo. Você estava certa sobre tudo aquilo que você disse sobre a terapia. Todos deviam fazer terapia uma vez na vida...

− E o colar? Você estava brava comigo? Eu te esnobei, Gabi? Por que não foi a minha intenção se pareceu isso...

− Não, você nunca me esnobou, você sempre dividiu tudo comigo. Você e seus pais sempre cuidaram de mim, eu que quis mais do que eu poderia ter... Achei que tinha o direito de ter o que você tem. Quando quero alguma coisa eu peço para meus pais e recebo um não. Mas agora eu vejo que eles não me dão não porque eles não querem, mas porque eles não têm. Agora compreendo melhor. Ainda quero muita coisa, mas estou me focando na escola para conseguir passar no vestibular, ter um ótimo emprego e um bom salário.

Quem Narra a Minha Vida Sou EU (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora